Agricultura sustentável na era da ómica de campo. A revolução AgroOmica

Mário Cunha

  (1)FCUP, INESC TEC - CRIIS

Rui Martins

  (2)INESC TEC - CAP

Filipe Santos

  (3)INESC TEC - CRIIS

A agricultura enfrenta o desafio global de produzir mais (em quantidade e qualidade) com menos recursos, o que terá de ser alinhado com o uso sustentável de recursos naturais e a mitigação dos efeitos dos cenários climáticos. Os enormes ganhos de produtividade agrícola resultantes da “green revolution” estabelecida após a II guerra mundial foram baseados num modelo de agricultura intensiva que atualmente é insuficiente para desenvolver sistemas alimentares sustentáveis. Este modelo de agricultura foi suportado por diversas inovações tecnológicas, tais como variedades muito produtivas, fitofármacos, fertilizantes e sistemas mecanizados que já não estão ajustadas à dramática perda de fertilidade dos solos (e.x. erosão, salinização), à necessidade de preservação da biodiversidade e à escalada dos custos energéticos. Por outro lado, este modelo de agricultura foi desenvolvido num contexto de relativa estabilidade climática que não está adequado aos cenários climáticos para o séc. XXI.

Neste modelo de agricultura produtivista, o suporte à decisão agronómica é baseado em diagnósticos simplificados e normalizados que não consideraram nem a fisiologia da planta nem a sua casualidade com o contexto ambiental, ou seja, este processo agronómico não está focado nem no desempenho da planta (genótipo), nem na sua interação com o ambiente (fenótipo). Esta abordagem agronómica está, assim, dissociada do conhecimento estruturado produzido nos laboratórios tecnológicos (da biotecnologia e da instrumentação) e tem limitação em assimilar os desenvolvimentos científicos e tecnológicos ocorridos nos últimos anos no âmbito das disciplinas ómicas – genómica, transcriptómica, metabolómica e fenómica (Fig. 1).

Atualmente estão disponíveis ferramentas ómicas tais como a biologia de sistemas e bioinformática que permitem o desenvolvimento de simulações computacionais muito rigorosas desta cascata ómica (fluxómica) e respetiva produção de modelos in-silico para articular a informação entre o genótipo e do fenótipo. Estas ferramentas ómicas, conjugadas com sensores de elevada dimensionalidade e elevado débito, suportam a transferência de informação para medir no campo, de modo não destrutivo, a resposta da planta ao nível celular e molecular, potenciando a passagem para um modelo de atuação agronómica causal de precisão molecular.

É neste contexto que a fenotipagem tem vindo a desenvolver o conceito de mapeamento genótipo-fenótipo associado às interações genótipo-ambiente-práticas agronómicas (GAP) as quais são uma oportunidade para promover modelos agronómicos avançados baseados nas disciplinas ómicas.

A fenotipagem consiste na análise de um conjunto de características quantitativas ou qualitativas do fenótipo das plantas (e.x. dimensões, cor e composição), relacionando-as com o desempenho de um genótipo em determinado ambiente (e.x. clima, solos) que, no caso agronómico, inclui as práticas culturais. Tradicionalmente, as técnicas de fenotipagem incidiam sobre as características da planta facilmente mensuráveis, sendo uma técnica utilizada pelos agricultores desde os tempos mais remotos para melhorar o seu sistema de produção. Recentemente, a sensorização de plantas permite obter de modo expedito, rápido e preciso dados que podem ser relacionados com as características fenotípicas das plantas, incluindo as mais complexas, tais como moléculas relacionadas com o metabolismo e a fisiologia da planta – feno-metaboloma (fig. 1). Estes sensores podem ser montados em plataformas diversas e proceder ao mapeamento em “larga escala” das características fenotípicas das plantas no seu contexto ambiental.

Todavia, é consensual que não obstante os enormes avanços em precisão, rapidez e custos das técnicas aplicadas à genómica das plantas ocorridos nos últimos anos, nomeadamente na sequenciação do DNA por “Next-Generation Sequencing -NGS”, as técnicas de fenotipagem não foram desenvolvidas ao mesmo ritmo, sendo atualmente um estrangulamento (phenotyping bottleneck) para que a agricultura, tal como a medicina ou a indústria farmacêutica, também possa beneficiar dos enormes avanços das disciplinas ómicas (Fig. 1).

Na última década, a convergência entre disciplinas ómicas tem beneficiado de iniciativas desenvolvidas em várias zonas do globo de estruturas de fenotipagem de plantas com tecnologia muito avançada, com recursos humanos de excelência, geralmente com grande interacção internacional e com confortáveis dotações financeiras. Destaca-se a “European Plant Phenotyping Network – EPPN” e a sua articulação efetiva com estruturas congéneres de fenotipagem de plantas mapeadas em vários pontos do globo. Neste âmbito, em 2016, a União Europeia, através da “European Strategy Forum for Research Infrastructures (ESFRI), identificou a fenotipagem de plantas como uma área prioritária de investigação e, em 2018, traçou no seu “roadmap” o papel estratégico das estruturas de fenotipagem de plantas na Europa para os próximos 20 anos. Neste roadmap de infraestrututras destaca-se a European Infrastructure for Plant Phenotyping – EMPHASIS”, a que Portugal aderiu recentemente tendo como parceiro o INESC TEC. Todavia, o panorama mundial da fenotipagem é, ainda, heterogéneo e apresenta limitações para a sua plena concretização em ambiente empresarial, nomeadamente a tradução multidirecional de espécies modelo para culturas agrícolas e a integração destes dados de fenotipagem em diferentes escalas, com aplicações de campo com baixo custo que considerem também as culturas arbóreo-arbustivas.

O INESC TEC tem vindo a desenvolver robôs com capacidades ómicas, aptos a executar fenotipagem digital de elevado débito e elevada dimensionalidade, integrando as várias disciplinas ómicas no processo agronómico de diferentes culturas (incluindo as arbóreo-arbustivas). O robô “Metbots” é um exemplo que recorre à fotónica inteligente baseada em dispositivos de baixo custo e point of care para medir, processar e mapear, de modo não destrutivo, parâmetros chave do metabolismo da planta relacionados com a sua fisiologia. Também em desenvolvimento, o robô “Omicbots” é outro exemplo com capacidade para articular a monitorização metabólica com ferramentas de bioinformática e biologia de sistemas para o diagnóstico fisiológico de precisão (Fig. 1).

Estes robôs estão equipados com sensores baseados em fotónica inteligente que permitem determinar uma miríade de moléculas do metabolismo celular ou fenometaboloma (e.x. clorofilas, feofitinas, antocianinas, carotenóides, fitohormonas) produzidas pelas plantas em resposta a stresses bióticos ou abióticos e que são a base do diagnóstico fisiológico da planta operacionalizado em decisões agronómicas (e.x. fertilização, rega doenças, seleção de variedades adaptadas a micro-zonagem). Portanto, estes sensores permitem fazer o screening metabólico de cada planta em diferentes condições ambientais (solo, clima) e, utilizando técnicas de biologia de sistemas, bioinformática e modelos in-silico incorporados no “OmicBots”, perceber quais as enzimas que estão ativas, quais os genes que estão a ser ativados ou silenciados em cada situação e compreender todo o mecanismo da planta, permitindo uma atuação muito precisa no processo agronómico.

A integração destas tecnologias ómicas, fotónicas e agronómicas é operacionalizada através de modelos virtuais do tipo digital-twin para transferência em tempo real e in situ de informações entre os laboratórios e o processo agronómico.

Esta abordagem de agricultura de precisão molecular promovida pelo INESC TEC abre uma nova fronteira para estudar e implementar mecanismos de adaptação, tratamentos e intervenções agronómicas avançadas: i) gestão mais precisa dos recursos e fatores de produção, nomeadamente da água e dos nutrientes, permitindo produzir mais com menos recursos, ii) deteção precoce de doenças, ainda na fase assintomática, permitindo tratamento localizados antes de ocorrerem disseminações e, até, o suporte ao desenvolvimento de fitofármacos com maior eficiência agronómica, ambiental e menor impacto em espécies não alvo, iii) atuar de modo rigoroso nas frequentes situações de stresses combinados (ex. stress hídrico associado a stress térmico, stressluminoso), já que o metabolismo da planta é alterado de diferente modo em cada um desses stresses, mesmo que o fenótipo não o seja e iv) conhecer a plasticidade fenotípica da planta quando exposta a um conjunto de condições ambientais (práticas culturais incluídas) como ferramenta para a mitigação das alterações climáticas. O melhoramento genético é um processo geralmente demorado pelo que podemos aproveitar a plasticidade fenotípica das plantas, desde que conhecida, para mitigar, de modo mais imediato, os efeitos da imprevisibilidade que se avizinha no âmbito dos cenários climáticos.

As disciplinas e ferramentas ómicas perspetivam o desenvolvimento de uma nova Era de atuação agronómica muito precisa e fundamental para suportar sistemas alimentares sustentáveis. Para tal, é necessário que os progressos da biotecnologia e da instrumentação fluam bidireccionalmente entre o laboratório e o campo. A ciência de base e a tecnologia está disponível, mas o conhecimento terá ainda de ser aplicado. As tecnologias e avanços científicos nesta linha de trabalho do INESCTEC têm recebido diversos prêmios e distinções relevando o elevado impacto para a implementação de modelos avançados de agricultura de precisão.