(3)INESC TEC - C-BER
De forma a demonstrar os benefícios da inteligência artificial (IA) na agricultura, exploramos, neste artigo, três casos de uso. Estes casos de uso não abrangem todas as potenciais aplicações de IA na agricultura, mas demonstram a sua utilidade nesta área económica tão fundamental. Os três casos de uso são: gestão da água, estimativa de produção e gestão de recursos humanos.
Gestão da água: (1) o setor agrícola é, de acordo com as Nações Unidas, uma atividade que requer cerca de 70% de toda a água consumida a nível mundial; (2) certas regiões do planeta estão a sentir o impacto do aquecimento global, i.e., acesso reduzido a água para atividades agrícolas [1]; (3) a utilização otimizada da água influencia a qualidade da produção. Todas estes factos demonstram a importância de otimizar a utilização da água na agricultura. No âmbito do projeto Smart Farming, o INESC TEC desenvolveu um sistema de irrigação para vinhas que permite gerir a irrigação de acordo com o stress hídrico que se prevê gerar nas plantas. O nível de stress hídrico das plantas influencia o teor alcoólico dos vinhos produzidos com as respetivas castas. Para o desenvolvimento do sistema de gestão de irrigação, foi necessário instalar sensores no solo, em diferentes profundidades. Também foi considerado o potencial hídrico foliar de base, medido através de uma Câmara de Pressão Scholander. No entanto, e devido aos custos da obtenção destes indicadores, foi desenvolvido um regressor para estimar esse mesmo potencial [4]. Estas estimativas são utilizadas no método de otimização que define a quantidade necessária de água para irrigação, ao longo de um período de sete dias. Foram também utilizados algoritmos genéticos como método de otimização.
Estimativa da produção: a produção agrícola é altamente influenciada pelo clima. Mais concretamente, as alterações climáticas afetam o ambiente e alteram o comportamento de pestes e pragas, causando enormes variações interanuais na produção agrícola, impedindo que esta dê resposta à procura. A produção agrícola é também afetada pelas decisões dos produtores, i.e., irrigação, fertilização, seleção de sementes, etc. A imprevisibilidade das variações interanuais é uma grande ameaça para os produtores, o setor em si, e a sociedade. Nesse sentido, há uma clara necessidade de modelos preditivos que possam melhorar a eficiência da produção, otimizar o plano/operações de produção e apoiar estratégias comerciais [1,2]. Continua a registar-se a ausência de métodos operacionais, nomeadamente para a previsão das condições meteorológicas e da produção ao nível das explorações agrícolas. Os modelos de simulação de cultivo e os modelos orientados por dados são a principal base das abordagens mais utilizadas para a previsão da produção. Estes modelos de simulação são bastante complexos e dispendiosos no que diz respeito ao tempo e aos dados biofísicos, dificultando assim o seu funcionamento. Os modelos preditivos que recorrem a dados sobre a previsão da produção são desenvolvidos empiricamente, e não requerem um conhecimento profundo sobre os mecanismos biofísicos que estão na origem desses mesmos dados; o seu custo é mais reduzido, e já provaram ser métodos extremamente eficientes [1, 2, 3]. Assim, e ao longo dos últimos anos, foram aplicadas, com sucesso, diversas técnicas de machine learning (árvores de regressão, random forests, máquinas de vetor de suporte e deep learning) na previsão da produção agrícola. Grande parte destes métodos preditivos recorre a dados climáticos (previsão numérica, por exemplo) e relacionados com o cultivo (e.g., fenoestados) para realizar previsões. Além disso, estas previsões podem ser utilizadas como input para modelos de otimização matemáticos, de forma a adotar os planos de produção mais adequados [2,3].
Gestão de recursos humanos: de forma a garantir a contratação de trabalhadores especializados, os produtores apostam em salários mais elevados e benefícios adicionais, tal como os seguros de saúde. No entanto, os produtores começam agora a abordar outras questões que, previamente, não eram tão relevantes; por exemplo, estarão os trabalhadores a desempenhar corretamente as suas funções? Será o seu esforço proporcional ao salário e aos benefícios oferecidos? Para dar resposta a estas questões, são necessários indicadores do desempenho de cada trabalhador, abrindo assim portas para uma nova área na agricultura e fruticultura, relacionada com a necessidade de implementar tecnologias para a monitorização dos trabalhadores. Os investigadores do INESC TEC acreditam que a monitorização dos trabalhadores pode ser uma dimensão importante, quer para os empregadores, quer para os próprios trabalhadores - especialmente se considerarmos que é possível auscultar não só os índices de produtividade, mas também indicadores relacionados com a saúde (importantes para garantir o bem-estar e boas condições de trabalho) e outros que apoiem os processos de tomada de decisão. O INESC TEC encontra-se a explorar esta dimensão através de um projeto nacional denominado AgWearCare, que visa aplicar este conceito de monitorização para recolher indicadores específicos nesta área, juntamente com a solução WiseCrop. Um sistema como este pode trazer várias vantagens: analisar a distância feita por cada trabalhador durante as vindimas, identificar a postura dos trabalhadores ou mesmo detetar a exposição a condições extremas de trabalho ou a altos níveis de esforço humano (combinando dispositivos portáteis com metodologias avançadas de processamento de dados e inteligência artificial). Mas, e à semelhança de outras tecnologias inovadoras, estas soluções apresentam algumas desvantagens - até que ponto estarão os trabalhadores dispostos a partilhar dados relativos ao seu desempenho e horas de trabalho? Trata-se de uma questão importante, com implicações a nível ético e de proteção de dados, mas também em termos de leis e políticas laborais, que devem ser consideradas. Assim, os trabalhadores podem ter algumas reservas em disponibilizar, aos empregadores, indicadores sobre as distâncias percorridas, as atividades realizadas e as práticas associadas à agricultura e à fruticultura. É, portanto, crucial encontrar um equilíbrio entre as duas abordagens, de forma a recolher os indicadores de produtividade necessários para apoiar o processo de tomada de decisão, sem comprometer a privacidade dos trabalhadores - e sem perder a sua confiança nos empregadores.
References
[1] Gornall J, Betts R, Burke E, et al. (2010) Implications of climate change for agricultural productivity in the early twenty-first century. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci.: 365(1554):2973-2989. doi:10.1098/rstb.2010.0158.
[2] MS Sirsat, J Mendes-Moreira, C Ferreira, M Cunha (2019) Machine Learning predictive model of grapevine yield based on agroclimatic patterns. Engineering in Agriculture, Environment and Food 12 (4), 443-450.
[3] Yoosefzadeh-Najafabadi M, Tulpan D, Eskandari M (2021) Application of machine learning and genetic optimization algorithms for modeling and optimizing soybean yield using its component traits. PLOS ONE 16(4): e0250665. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0250665
[4] AA Fares, F Vasconcelos, J Mendes-Moreira, C Ferreira (2021) Predicting Predawn Leaf Water Potential up to seven days using Machine Learning, EPIA 2021, pp. 39-50.