Floresta de precisão inteligente

Reinaldo Gomes

  (1)INESC TEC - CESE

Alexandra Marques

  (2)ForestWISE CoLaB

Carlos Fonseca

  (3)ForestWISE CoLaB, CESAM (UA)

As florestas garantem serviços ecossistémicos cruciais para a sociedade, acolhendo grande parte da biodiversidade terrestre. A madeira e outras matérias-primas renováveis provenientes das florestas têm inúmeras aplicações: mobiliário, papel, construção e biocombustíveis para produção de bioenergia. As indústrias florestais europeias empregam cerca de 3,5 milhões de pessoas e representam cerca de 7% do PIB da indústria transformadora da UE(1). Em muitas zonas rurais, o setor florestal é o maior empregador. Além disso, as florestas desempenham um papel crucial para alcançar a neutralidade carbónica e atenuar os efeitos das alterações climáticas, pois retiram e armazenam carbono da atmosfera e são fonte de biomateriais e biocombustíveis, capazes de substituir materiais altamente emissores e combustíveis fósseis.

Para dar resposta aos desafios do setor, é necessário adaptar os ecossistemas florestais, de acordo com estratégias de gestão mais resilientes e adaptativas, tendo em conta as necessidades das gerações atuais e futuras. As cadeias de valor florestais devem envolver competências tecnológicas para prevenir, conter e mitigar os efeitos das mudanças climáticas e aumentar a resiliência aos riscos - como os incêndios florestais, por exemplo. De forma a alcançar uma cadeia de abastecimento mais resiliente, é importante aumentar a utilização de resíduos florestais e a eficiência do processamento e transporte de biomassa lenhosa, promovendo a ligação entre a bioeconomia e a economia circular. As políticas públicas apontam para um aumento da contribuição do setor florestal português (incluindo a biomassa), cuja contribuição para a bioeconomia era de 38,6 mil milhões de euros em 2014, de acordo com o relatório do Instituto Florestal Europeu(2).

A "digitalização na floresta" traduz-se na implementação sustentável de tecnologias de ponta no setor florestal, melhorando a monitorização florestal através da aquisição e análise de dados e recursos computacionais de apoio à decisão em termos de controlo digital, visão artificial, gestão da cadeia de abastecimento e gestão pós-colheita. Algumas das tecnologias que podem contribuir para alcançar estes objetivos incluem Internet das Coisas, redes de sensores sem fios, Internet das Árvores, Deep Learning, soluções LiDAR, drones, dados geoespaciais e aplicações móveis.(3)

Portugal tem registado uma crescente mecanização das operações florestais, nomeadamente na exploração e utilização florestal da biomassa florestal, nas operações relacionadas com a instalação e manutenção de povoamentos (ver fig. 1) e na gestão de combustíveis para reduzir o risco de incêndio. Por norma, as máquinas florestais mais recentes estão preparadas para recolher e disponibilizar dados para efeitos de gestão remota do fluxo de materiais (quantidades produzidas), produtividade de equipamentos, taxa de utilização (OEE, por exemplo) e nível de operacionalização. No entanto, estes dados não são recolhidos ou processados de forma sistemática. As soluções adotadas para a recolha e partilha de dados entre proprietários de terrenos, prestadores de serviços e entidades da indústria devem permitir a monitorização remota das operações, garantir a transparência e facilitar o replaneamento/reaproveitamento de recursos para evitar perdas de eficiência na utilização de equipamentos e desempenho das equipas. Estes problemas tendem a agravar-se com a crescente escassez de mão-de-obra no setor.

As cadeias de abastecimento florestal e de madeira exploram o conceito de Floresta 4.0 ao combinar soluções previamente disponíveis no mercado - como o LiDAR (ver fig. 2) e RFID -, mas que não são amplamente utilizadas, com a implementação e a adoção de novas tecnologias. Este processo de transformação e de mudança organizacional apresenta desafios de natureza técnica e socioeconómica. A maioria desses desafios é semelhante a outros setores industriais. A introdução de padrões de dados entre todos os equipamentos e operações é um dos principais obstáculos. A segurança dos sistemas informáticos e a proteção de dados são outros dos desafios, tendo em conta que a questão da propriedade dos dados deve ser discutida entre todos os stakeholders. Outros desafios específicos do setor florestal são a robustez e a confiabilidade do equipamento (utilização de sensores em ambiente exterior, a transmissão de dados sem fios e a complexidade das operações florestais). Os aspetos transformacionais da digitalização florestal traduzem-se em barreiras socioeconómicas. O principal desafio para o setor florestal é a vontade de cooperar além das fronteiras organizacionais e a confiança em outras organizações dentro da cadeia de abastecimento, dada a elevada fragmentação entre stakeholders(4)

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A maior participação de todos os agentes da cadeia de abastecimento florestal é fundamental para ultrapassar estas questões. Estas iniciativas envolvem ações de divulgação, workshops, webinars e projetos que mobilizem proprietários e organizações florestais, prestadores de serviços (biomassa, silvicultura, madeira e produtos não-lenhosos), fornecedores (fertilizantes, plantas e máquinas), empresas do papel, mobiliário e energia, utilizadores finais e fornecedores de tecnologia (que visam promover e comercializar as soluções desenvolvidas por universidades e centros de investigação, testadas em projetos-piloto).

A integração destes diferentes níveis de conhecimento, inovação e tecnologia é essencial para a sustentabilidade ambiental, social e económica das florestas e zonas rurais europeias.



(1)
European Commision, “A New EU Forest Strategy: For Forests and the Forest-Based Sector,” 2013.

(2) I M de Arano et al., “A Forest-Based Circular Bioeconomy for Southern Europe: Visions, Opportunities and Challenges,” Reflections on The, 2018, https://www.efi.int/sites/default/files/files/publication-bank/2018/Reflections on the bioeconomy - Synthesis Report 2018 (web)_0.pdf.

(3) Rajesh Singh et al., “Forest 4.0: Digitalization of Forest Using the Internet of Things (IoT),” Journal of King Saud University - Computer and Information Sciences, no. xxxx (2021), https://doi.org/10.1016/j.jksuci.2021.02.009.

(4) Fabian Müller, Dirk Jaeger, and Marc Hanewinkel, “Digitization in Wood Supply – A Review on How Industry 4.0 Will Change the Forest Value Chain,” Computers and Electronics in Agriculture 162, no. April (2019): 206–18, https://doi.org/10.1016/j.compag.2019.04.002.