Agricultura de precisão e sustentabilidade

Mário Cunha

  (1)FCUP, INESC TEC - CRIIS

Ricardo Braga

  (2)ISA-UL, INESC TEC - CRIIS

Quais as potencialidades da Agricultura de Precisão (AP) para um futuro sustentável? Como estão alinhados os objetivos da AP com as organizações e com as políticas públicas? O que é necessário para alavancar a AP? São algumas das questões que este artigo procura responder.

De acordo com a International Society of Precison Agriculture (ISPA), a AP “é uma estratégia de gestão que reúne, processa e analisa dados temporais, individuais e espaciais e os combina com outras informações para apoiar as decisões de gestão de acordo com a variabilidade estimada para melhorar a eficiência no uso de recursos, produtividade, qualidade, rentabilidade e sustentabilidade da produção agropecuária”.

Esta definição foca-se no essencial do que são os processos de uso de dados para melhoria da tomada de decisão. Mas obviamente que a implementação do conceito engloba o uso de tecnologia, mais ou menos avançada, nas suas diversas fases: observação e registo; análise; decisão diferenciada; e, finalmente, a materialização da decisão no terreno. Alguns exemplos de tecnologia são as imagens multi espectrais das culturas (obtidas por drone, satélite ou plataformas terrestres), os sensores de condutividade elétrica do solo, ou do conteúdo de água no solo, a monitorização da produtividade, a Internet of Things (IoT), os Sistemas de Informação Geográfica (SIG), os sistemas de posicionamento por satélite (p.e. GPS), a tecnologia de taxa variável, a Inteligência Artificial (IA) e a aprendizagem computacional, entre outros.

O objetivo último da melhoria da tomada de decisão é a aplicação de fatores de produção na quantidade correta, no local correto e no tempo correto (3 R’s – Right Time, Right Place, Right Amount) em função do objetivo da produção, considerando ainda a restrição económica inerente a qualquer negócio. Se atingido esse objetivo, isto é, a otimização do uso dos fatores, então a relação entre as necessidades das culturas e as disponibilidades dos diversos fatores, seja água ou nutrientes, será a ideal em cada condicionalismo. Com isso conseguem-se não só ganhos agronómicos óbvios, mas também económicos, com a redução de custos (atingida determinada escala de produção). Também fundamentais são os ganhos ambientais, por evitar aplicações desajustadas de fatores com maior potencial poluente como o caso do azoto ou dos produtos fitofarmacêuticos.

Este novo paradigma da produção dá resposta aos desafios do sector agrícola que constam na Agenda de Inovação para a Agricultura 2020-2030 (Terra Futura) de produzir melhor (em quantidade e qualidade) com menos recursos, alinhado com o uso sustentável de recursos naturais e a adaptação da agricultura aos cenários de alteração climática. Estes desafios, e o seu contexto, estão plasmados nas orientações da Política Agrícola Comum (PAC) para o período 2020-2030 (Agenda 2030) e nos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

Concretamente, o “Pacto Ecológico Europeu” refere a AP como um mecanismo para a concretização da sua estratégia “do prado ao prato”, a qual terá de ser obrigatoriamente garantida nos planos estratégicos nacionais para a agricultura. A AP tem um papel proativo no apoio à implementação estratégica dos ODS. A AP, ao promover práticas e decisões agronómicas mais eficientes, está alinhada com os objetivos ODS2, ODS12, ODS13 e ODS15, nomeadamente por contribuir para garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas resilientes, que aumentem a produtividade e a produção, ajudem a manter os ecossistemas, fortaleçam a capacidade de adaptação às alterações climáticas, às condições meteorológicas extremas (p.e. secas) e melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo. A AP promove um crescimento económico inclusivo e sustentável, o pleno emprego e produtivo, sobretudo para jovens e o trabalho digno para todos tal como referido no ODS8. Para ser eficiente, a implementação da AP exige um “ecossistema de inovação” (conforme editorial), o qual irá promover a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico, encontrando-se por isso alinhada com o ODS9.

Todavia, a AP para a sua concretização plena, requer tecnologias e sistemas inovadores muitos dos quais não foram especificamente desenvolvidos para a agricultura. Por outro lado, a capacidade da indústria para colocar no mercado soluções tecnológicas é muito superior à capacidade, quer dos empresários agrícolas em aprendê-las e assimilá-las no seu sistema de cultura, quer dos investigadores para desenvolver soluções práticas e agronomicamente úteis. Neste contexto, a AP é ainda uma realidade marginal da agricultura portuguesa já que apenas 0,3% (5% da Superfície Agrícola Útil) das empresas agrícolas adotaram algum tipo de tecnologia. Estes valores contrastam com a agricultura dos países da América do Norte e do Sul ou Austrália em que as tecnologias de AP estão presentes em mais de 30% das empresas agrícolas.

Este desfasamento entre a adoção da AP pelas empresas portuguesas relativamente a algumas congéneres estrangeiras, apenas poderá ser atenuado por uma eficaz articulação dos atores do “ecossistema de inovação”, necessária para a implementação da AP: “utilizadores finais”, “empresas tecnológicas” e “sistema científico” (além das empresas de fatores, organizações da produção, entre outros). A AP em Portugal tem atualmente uma grande oportunidade para incentivar o estabelecimento deste “ecossistema de inovação” através, por exemplo, da Estratégia Nacional para uma Especialização Inteligente (ENEI) e dos laboratórios colaborativos (CoLAB) com reconhecimento das mais-valias mútuas do trabalho em parcerias eficientes dos “multi-atores” da AP, o co-design do desenvolvimento tecnológico, a servicisação e a formação.

A plena adoção da AP tenderá a valorizar as competências centrais das engenharias da produção primária pela integração em cadeias de valor adensadas de conhecimento agronómico diferenciador, valorizado em mercados tecnológicos, o que exigirá recursos humanos capacitados para operarem nos diferentes vértices do triângulo do “ecossistema de inovação” da AP, com previsível valorização social, no quadro dos desafios do desenvolvimento sustentável.

Os desafios que o setor agrícola enfrentará nos próximos 30 anos são enormes. Acreditamos que a AP terá um contributo decisivo no desenvolvimento de soluções necessariamente sustentáveis em toda a sua dimensão.