(1)INESC TEC
(2)Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
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(2)Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Todos os modelos são, por definição, incompletos e aproximados. Modelizar é extrair de uma realidade, que é sempre caótica e complexa, as características essenciais para o processo de tomada de decisão em causa, organizando, simplificando e criando sentido e propósito. Tal só é possível à custa de uma elevada dose de abstração e simplificação.
No Verão de 2019, em Seattle, assistimos a uma palestra do Jeff Wilke, CEO global do negócio da Amazon de Consumer Business. O primeiro slide dessa apresentação estava repartido em dois. Do lado esquerdo constava o subtítulo “Decision Support” e mostrava um analista a analisar o resultado de um modelo matemático e, do lado direito, o subtítulo “Hands-Off Wheel” e exibia um analista a programar um modelo que tomava decisões de forma autónoma. Com o seguinte clique o Jeff Wilke colocou uma cruz do lado esquerdo e, simultaneamente, comentou que na Amazon a forma de tomar decisões deverá ser como a descrita do lado direito do slide – investindo o tempo necessário para que o modelo retrate da melhor forma possível a decisão a ser tomada, mas sem interferir no resultado final.
A tomada de decisão com apoio de modelos analíticos é, normalmente, descrita numa escala de três categorias principais (Figura 1). A primeira categoria – analítica descritiva – diz respeito a modelos que apoiem o entendimento de acontecimento passados. Por exemplo, ao analisar a campanha promocional de um retalhista, estes modelos podem identificar qual a eficácia e eficiência dessa atividade. Na segunda categoria – analítica preditiva – o objetivo passa a ser o de antecipar o impacto de determinada ação de negócio. Usando o mesmo exemplo, com estes modelos, o retalhista poderia prever as vendas de uma determinada campanha promocional. Por fim, na categoria de analítica prescritiva, os modelos matemáticos têm a responsabilidade de sugerir ações que são depois analisadas e refinadas pelos tomadores de decisão. Voltando ao caso do retalhista, estes modelos sugeririam a melhor parametrização da campanha promocional tendo em vista um determinado objetivo e restrições de negócio.
Esta última categoria de modelos analíticos – analítica prescritiva - traz, atualmente, muitos desafios ao nível da adoção por parte das organizações. Estes desafios têm na raiz o facto de os tomadores de decisão destas organizações não crerem ser possível codificar e melhorar o processo atual de tomada de decisão que utilizam. Esta posição de base faz com que os requisitos para a modelação não sejam totalmente mapeados e que a descrição matemática do problema fique demasiado aquém da realidade. Mesmo ultrapassando estes desafios iniciais, a mudança do processo de tomada de decisão é sempre desafiante e tem um cariz transformacional. Esta realidade torna necessário acompanhar o rigor técnico do desenvolvimento dos modelos de um sentido prático de mudança de mentalidades e hábitos.
Voltando à apresentação de Jeff Wilke, fica claro que a Amazon estendeu a escala dos modelos analíticos e trouxe para o topo a analítica autónoma. Esta categoria tem, na fundação, uma postura distinta em relação ao desenvolvimento e aplicação dos modelos de tomada de decisão. Sendo uma empresa nativamente digital, os colaboradores da Amazon nunca tomaram decisões de outra forma e isso facilita a ultrapassagem dos desafios elencados para a analítica prescritiva. Com a utilização intensiva desta categoria de modelos analíticos, a Amazon coloca um esforço substancial na etapa de desenvolvimento, usando sucessivas iterações. Assim, utilizando, novamente, o caso da definição das campanhas promocionais, a Amazon tentará determinar, recorrendo a múltiplas experiências, os perfis de elasticidade de preço dos diferentes segmentos de cliente e modelar exaustivamente as dinâmicas de negócio. Em utilização, estes modelos, como não têm intervenção humana a jusante, produzirão desvios sistemáticos que poderão ser continuamente analisados e refinados.
Todos os modelos são, por definição, incompletos e aproximados. Modelizar é extrair de uma realidade, sempre caótica e complexa, as características essenciais para o processo de tomada de decisão em causa, organizando, simplificando e criando sentido e propósito. Tal só é possível à custa de uma elevada dose de abstração e simplificação. De uma forma simples, e citando George Box(1), todos os modelos estão errados, alguns são úteis. George Box deriva desta assunção duas importantes conclusões. A primeira é que, dado que todos os modelos
estão errados, não é possível obter o modelo “correto” por excessiva elaboração. A segunda, que decorre da primeira, é que se temos de conviver com o erro, temos que estar particularmente atentos para os aspetos onde esse erro é importante e relevante.
O que distingue os modelos da analítica prescritiva dos modelos da analítica autónoma é o foco da intervenção humana e, consequentemente, as fontes de subjetividade e erro. Assim, os modelos de analítica prescritiva carregam em si mesmos a subjetividade do analista que decidiu o que na realidade era relevante ou não para a qualidade das decisões a obter, incorporando com maior ou menor detalhe tais características no modelo. Se o modelo gera automaticamente propostas de decisões, fá-lo com base nas regras e objetivos modelados matematicamente pelo analista. A validação destes modelos é feita pela alimentação controlada de dados, que permita a verificação e validação dos resultados. Há, assim, uma enorme responsabilidade ética por parte do analista na construção do modelo de analítica prescritiva. Os modelos de analítica automática procuram ser imunes à subjetividade do analista, construindo eles próprios as regras de decisão com base em enormes volumes de dados históricos, que permitem estabelecer correlações entre ações e consequências. Mas o “calcanhar de Aquiles” da analítica automática é exatamente que correlações não são relações causa-efeito. Como, por outro lado, estes modelos também simplificam os dados utilizados, selecionando as características com mais impacto nas correlações, também estão errados e podem produzir desvios sistemáticos significativos, como já afirmámos anteriormente. Assim, estes modelos requerem uma intervenção humana em busca destes desvios, que estará também eivada de subjetividade.
Se o erro é inerente à utilização de modelos analíticos, automáticos ou não, também a subjetividade humana estará sempre presente, e, consequentemente, as considerações éticas. A discussão em torno da metodologia analítica mais permeável à (falta de) ética humana tem defensores dos dois lados da barricada, mas apenas será séria se mantivermos em mente que as decisões terão sempre de ser tomadas por mulheres e homens concretos, que informados pela ciência e tecnologia, não podem alienar a responsabilidade final da decisão. Ao fazê-lo, estaremos a desumanizar a nossa sociedade.