Economia circular: investigar e inovar para um futuro sustentável

António Lucas Soares

  (1)INESC TEC

  (2)Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

António Baptista

  (3)INEGI – Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial

  (4)LAETA – Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica

A expressão “economia circular” entrou nos nossos ouvidos e tornou-se indelével na nossa vida profissional, familiar, cidadã. Contudo, talvez o conceito e suas implicações não tenha ainda sido completamente interiorizado. Além dos princípios básicos, precisamos de compreender melhor as implicações do conceito nos sistemas de produção e na investigação, onde deverá ser adotado como um novo paradigma.

 

 

Imagine-se na hora de substituir a sua máquina de lavar roupa. Depois de uma primeira seleção feita online, desloca-se a uma loja que tem as máquinas que pré-selecionou expostas. Está na fase final da decisão. Abre a aplicação "Sustentabilidade" no seu telemóvel e aponta a câmara para uma delas. A aplicação reconhece o modelo e apresenta-lhe informação que personalizou como importante na aquisição de um eletrodoméstico, incluindo, entre outras: informação sobre eficiência energética (custos médios de consumo de eletricidade e água), tempo médio de vida esperado para os componentes principais e respetiva probabilidade de substituição no fim desse período, comparação dos serviços de recolha da máquina antiga em termos de incentivos recebidos ou ainda a redução dos materiais de embalamento e transporte. A aplicação acrescenta também informação comparativa, da pontuação global da marca e respetivos modelos, relativa à Pegada Ambiental do Produto (através de modelos LCA - “Life cycle analysis”) e sua avaliação social do ciclo de vida (social-LCA). Com base nesta informação, irá decidir qual a sua próxima máquina de lavar roupa, com a satisfação de poder decidir não só com base em critérios económicos individuais, mas também levando em conta aspetos de sustentabilidade ambientais e sociais.

O que é a economia circular?

Neste contexto de produtos cada vez mais digitalizados, somos levados a imaginar, tal como no cenário acima descrito, um mundo onde, enquanto consumidores, temos o poder de participar ativamente e positivamente na gestão do ciclo de vida de produtos que compramos, originando assim um menor impacto ambiental no planeta e promovendo uma maior sustentabilidade. É possível desta forma criar um ciclo virtuoso em que organizações (empresas, entidades públicas, organizações não governamentais, associações, etc.) podem colaborar e ter o auxílio decisivo dos consumidores informados, que, fruto da sua consciencialização para a Economia Circular, passam a modelar os seus comportamentos e decisões de forma devidamente informada. Mas o que significa então "Economia Circular"? Uma das organizações não governamentais internacionais, que tem trabalhado ativamente e com grande visibilidade para o fomento de um mundo assente em princípios de Economia Circular, é a Fundação Ellen MacArthur(1), que define Economia Circular como “Uma nova forma de conceber, desenvolver e utilizar bens e serviços, respeitando as limitações do planeta. Envolve dissociar a atividade económica do consumo de recursos finitos, e eliminar resíduos do sistema por princípio. Deve ser baseada numa transição para fontes de energia renovável, de modo económico, natural e social.” São definidos três princípios fundamentais: eliminar resíduos e poluição desde a origem, manter produtos e materiais em utilização, regenerar os sistemas naturais. A adesão dos produtos e respetivas atividades realizadas na sua produção a estes princípios, materializados na observância de normas, técnicas e boas práticas, definem a sua "circularidade", isto é, a forma como contribuem para gerir o ciclo de vida do "berço-ao-berço" (evolução do termo usual na gestão "do berço-ao-túmulo"). Em virtude das políticas internacionais recentes, concertadas por dezenas de nações, a que se soma uma maior consciencialização dos cidadãos, o paradigma da Economia Circular ganha cada vez mais atenção e multiplicam-se as iniciativas por parte das organizações para acelerar a sua implementação. Novos termos e palavras estão a entrar gradualmente no vocabulário dos consumidores, como a “circularidade” de produtos e materiais, ou o fomento de fontes de energia renováveis (como por exemplo na energia elétrica fotovoltaica para autoconsumo). Caminhamos, desejavelmente com ritmo mais acelerado, para um futuro próximo em que um consumidor tem facilmente acesso a informação de “circularidade” de um dado produto através de um simples código QR, em que acede via o seu smartphone, para ter informação sobre quantidades, grau de reciclabilidade ou reutilização de matérias-primas, dados sobre a produção do produto, tempo de vida esperado, possibilidades de retrofitting ou upgrade. Esta facilidade será fundamental para futuras fases de utilização do produto, ou para uma melhor forma de gerir o seu fim-de-vida, por exemplo, para onde o encaminhar devidamente.

Produção circular: o elo de ligação entre cadeias de valor

Os sistemas produtivos, empresas tecnológicas e empresas de tratamento e valorização de resíduos têm um papel chave para a transição, devendo atuar na direção de uma ampla descarbonização das suas atividades e da pegada de carbono dos novos produtos ao longo da(s) sua(s) fase(s) de uso. Um aspeto chave neste processo consiste em basear o design dos novos produtos em princípios de Design Sustentável (também conhecido por EcoDesign) e integrando as novas abordagens de Design para a Circularidade, provendo-se múltiplos ciclos de uso dos produtos, via upgrades facilitados, reconfigurações, recondicionamentos e reparações simplificadas, ou mesmo reutilização de componentes. O design para a circularidade implica não só sistemas de produção concebidos com objetivos de minimização do consumo de materiais e de energia, mas também observando práticas de trabalho enriquecedoras e socialmente justas. As tecnologias de produção e informação emergentes são um fator fundamental na evolução para um modelo completamente circular. Por exemplo, a necessidade de se estabelecerem cadeias de valor interligadas, consolidadas numa "simbiose industrial" é complexa, exigindo sistemas de coordenação e informação avançados, recorrendo a tecnologias como a Internet das Coisas na vertente Industrial (“Industrial Internet of Things”, IIoT), Blockchain, Plataformas Digitais, técnicas de tratamento de grandes quantidades de dados e sistemas de informação seguros, confiáveis e distribuídos.

A economia circular como paradigma para a I&D na área industrial

Para acelerar a implementação mais generalizada do paradigma de Economia Circular, uma alavanca clara centra-se na capacitação das empresas para a Investigação e Desenvolvimento (I&D), não só para o desenho de novos produtos e serviços baseados na circularidade, mas igualmente reformulando e redesenhando os seus sistemas de produção e, de forma mais abrangente, todo o ecossistema industrial. Desde a investigação em novos materiais sintéticos, substitutos de recursos não renováveis ou de materiais cuja produção é nociva em termos ambientais, até à investigação em novos modelos de negócio, a I&D na área industrial deverá reger-se pelo paradigma da circularidade, ambicionando muito mais do que contribuir para a sustentabilidade económica. Com efeito, há muitos produtos, como por exemplo do tipo mecatrónicos, têxteis, calçado, em que a fase do seu ciclo de vida associada à produção representa elevados impactos ambientais, seja por via dos materiais e processos utilizados, ou pela intensidade energética envolvida. É por isso fundamental que se investiguem e adotem estratégias de avaliação de ciclo de vida para os sistemas de produção e unidades fabris, medindo nomeadamente os seus impactos, pegada de carbono, pegada hídrica, em função dos seus produtos, e passando a gerir-se de forma articulada o design de um novo produto orientado para a circularidade de materiais e neutralidade carbónica, com o sistema de fabrico mais sustentável (económica, ambiental e socialmente).

A abordagem multidisciplinar à investigação do INESC TEC, intersetando a engenharia e gestão industrial, a robótica, a inteligência artificial, os sistemas de informação e gestão de sistemas de energia, tem contribuído decisivamente para a inovação e a adoção do paradigma da economia circular. Um exemplo é a plataforma inovadora para a gestão do ciclo de vida de produtos (PLM), desenvolvida em colaboração com o INEGI no âmbito do projeto mobilizador Produtech_SIF(2).

Referências

1.http://www.ellenmacarthurfoundation.org

2.http://mobilizadores.produtech.org/pt/sif