Edição Especial “Ciência de Dados e Inteligência Artificial e Saúde”
(1)INESC TEC;
A Inteligência Artificial pode ajudar na linha da frente contra o combate à COVID-19. Tecnologia inovadora possibilita a deteção automática de achados imagiológicos de COVID-19 em imagens de raio-X, apoiando os médicos no processo de decisão e assim otimizando o acompanhamento do paciente.
A pandemia da COVID-19, provocada pelo vírus SARS-COV-2, teve um efeito devastador no nosso quotidiano, na saúde pública e na economia. Este vírus é altamente transmissível, causando tosse, febre e fadiga, pode em alguns casos evoluir para uma infeção severa das vias respiratórias e chega a ser fatal. A radiografia convencional (raio-X) ajuda a aferir o grau de desenvolvimento da infeção das vias respiratórias provocada pelo SARS-COV-2 e, consequentemente, determinar a estratégia de seguimento e tratamento do paciente. Dada a complexidade da tarefa, os radiologistas desempenham um papel fundamental neste processo. Contudo, em situações de grande afluência de pacientes, os especialistas nem sempre têm o tempo necessário para analisar as imagens de raio-X. Por outro lado, o número de radiologistas disponíveis é escasso o que conduz, em muitas situações, a que as imagens sejam analisadas por clínicos e internos com menor experiência. Deste modo, torna-se importante o recurso a metodologias de Inteligência Artificial para a análise de imagens radiológicas e o apoio da decisão clínica.
O raio-X como método complementar de diagnóstico de COVID-19
A radiografia convencional é um método de imagem médica que permite visualizar o interior do corpo do paciente de uma forma indolor e não invasiva. No caso particular do rastreio e seguimento da infeção provocada pelo SARS-COV-2, existe particular interesse em analisar os pulmões dado que a COVID-19 afeta maioritariamente as vias respiratórias. O objetivo de radiografar a região do tórax é perceber o grau de desenvolvimento da doença e, juntamente com outros fatores como a existência de outras doenças agudas ou crónicas, determinar a estratégia de seguimento e tratamento do paciente. Note-se, porém, que os sintomas da patologia nem sempre são visíveis nas radiografias, principalmente no início da infeção. O raio-X torácico serve, por isso, como um complemento ao teste de diagnóstico à COVID-19 feito com zaragatoa.
A Inteligência Artificial como auxiliar ao radiologista
A análise de radiografias do tórax tem de ser feita por técnicos especializados. A experiência dos radiologistas é essencial para análise dos efeitos da COVID-19, dado que esta causa um conjunto de manifestações na imagem que tornam a sua distinção de outras doenças, como as pneumonias causadas por bactérias e outros vírus, difícil. A sobrecarga laboral dos radiologistas, juntamente com o cansaço e o medo de errar, ou a análise das imagens por clínicos não especialistas, podem levar a falhas na deteção de manifestações nas imagens, ou até diagnóstico excessivo, o que poderá representar atrasos no diagnóstico e acompanhamento apropriado dos pacientes.
As tecnologias de análise de imagem médica, com base em Inteligência Artificial, podem contribuir para melhorar a análise das imagens de raio-X, propondo uma segunda opinião objetiva e assim ajudar no combate à COVID-19. Genericamente, estas técnicas baseiam-se na extração de características associadas à patologia (como, por exemplo, a diferença de volumes entre o pulmão esquerdo e direito do paciente), que são depois processadas e combinadas com o objetivo de prever o risco de o paciente estar infetado.
Como funciona o CXR_AI4COVID-19?
O algoritmo desenvolvido pelo INESC TEC, chamado CXR_AI4COVID-19, tem como base métodos de Aprendizagem Profunda (Deep Learning). Esta tecnologia tem sido utilizada com sucesso para resolver problemas que necessitam de análise automática de imagens (por exemplo, a identificação de matrículas ou condução autónoma) e tem vindo, mais recentemente, a tornar-se comum para o desenvolvimento de métodos de apoio à decisão em ambiente hospitalar
Uma das grandes vantagens do Deep Learning relativamente a outras técnicas de Inteligência Artificial é que não requer a escolha das características relacionadas com a imagem que devem ser analisadas. Ao invés, o sistema aprende automaticamente as características mais relevantes da imagem para o diagnóstico. Para tal, é analisada uma grande quantidade de imagens, idealmente na ordem dos milhares. Estas imagens têm, não só de ser representativas das diferentes manifestações da COVID-19, mas também de pacientes saudáveis ou com outras patologias. O processo de aprendizagem das características da imagem relevantes para o diagnóstico é feito incentivando o sistema a acertar no maior número de casos sem e com COVID-19. À medida que o sistema “vê” as imagens de raio-X, tenta prever quais têm (ou não) COVID-19 e recebe informação de quantas imagens acertou, e quais. Deste modo, consegue aprender quais as características da imagem que estão a levar às previsões corretas e reforçar a aprendizagem dessas características. Por outro lado, se o erro de previsão aumentar, então as características que estão a ser extraídas não estão corretas e o sistema é incentivado a procurar outras soluções. Com dados suficientes, as características da imagem aprendidas tornam-se representativas da patologia em geral, permitindo assim o diagnóstico automático.
Apesar da grande capacidade das tecnologias de Deep Learning, a sua utilização tem desvantagens em relação a tecnologias menos complexas. Para além de serem necessárias grandes quantidades de imagens, a grande maioria das técnicas de Deep Learning funciona fornecendo à entrada uma imagem e devolvendo uma probabilidade de presença de patologia à saída. Este comportamento leva a que não seja possível interpretar, pelo menos de uma forma trivial, as características que foram aprendidas pelo sistema. Isto leva a que seja preciso ser muito cuidadoso na análise dos resultados obtidos - por exemplo, estará o sistema realmente a aprender manifestações associadas a COVID-19, ou apenas que pacientes que fazem radiografias enquanto intubados têm maior probabilidade de estarem infetados com SARS-COV-2? De facto, este tipo de comportamento leva muitas vezes a promessas infundadas de desempenho sobre-humano, que caem por terra quando começam os testes em ambiente clínico.
Em conversa com os radiologistas envolvidos no desenvolvimento do sistema, estes consideram que, neste projeto, em que "colocamos a Medicina e a Engenharia a caminhar lado a lado”, há o potencial de “criar uma ferramenta de diagnóstico útil e poderosa na prática clínica, ao auxiliar os médicos na deteção de covid-19 nas radiografias torácicas”. Mais ainda, que sistemas deste tipo são, cada vez mais, “a Radiologia do futuro”.
Para perceber se o CXR_AI4COVID-19 está preparado para ser testado em ambiente clínico, foi feita uma validação inicial do sistema com radiografias de diferentes hospitais e centros clínicos nacionais e internacionais, em particular o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho (CHVNGE), onde o sistema será testado. Para tal, foi pedido a dois radiologistas que fizessem o diagnóstico da COVID-19 apenas com acesso à radiografia de 1861 pacientes. Posteriormente, o seu desempenho foi comparado com o CXR_AI4COVID-19, que demonstrou potencial para ter uma capacidade de diagnóstico semelhante aos radiologistas. Por isso, o CXR_AI4COVID-19 vai agora ser testado na prática clínica do CHVNGE, onde contribuirá com uma segunda opinião de fácil interpretação em relação à presença de manifestações de COVID-19 em imagens de raio-X do tórax e, espera-se, poderá ajudar no combate a esta pandemia.