Artigo de Opinião
(1)INESC TEC; (2)Faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto
*Artigo
escrito de acordo com a antiga ortografia
A ciência serve, ou deve servir, um propósito maior, que é o de
melhorar as condições económicas e sociais da humanidade. E para que isso seja
possível, a ciência, e sobretudo os cientistas, têm de estar presentes na
discussão de Políticas Públicas, que representam decisões que influenciam essas
mesmas condições económicas e sociais. Políticas Públicas baseadas na melhor
evidência disponível e numa discussão aberta e plural são a melhor garantia de
uma sociedade mais próspera. Mas para que tal seja possível, a comunidade
científica tem de marcar presença.
Benoit Mandelbrot dizia que a ciência estaria seriamente comprometida se
criasse silos impenetráveis, em que especialistas de cada silo debateriam
apenas entre si, criando assim uma gigante câmara de eco que ressoaria somente
para aqueles que já lá estão. Mandelbrot dava o exemplo do desporto: futebol é
jogado por futebolistas; ténis por tenistas; e basquetebol por
basquetebolistas. Não existe qualquer cruzamento entre os diversos desportos.
Não existe interdisciplinaridade. E não existe um interesse partilhado, excepto
por meia dúzia de pessoas que ocorre gostarem de mais do que um desporto.
Se isto era aceitável no desporto, apontava Mandelbrot, era impensável
na ciência. A ciência beneficia de nómadas intelectuais capazes de cruzar
várias áreas do conhecimento. Mas talvez tão ou mais importante do que isto, a
ciência, mas sobretudo a sociedade, beneficia de cientistas capciosos que
estejam dispostos a gerar impacto com os resultados da sua investigação.
Por impacto entendamos tudo aquilo que pode criar prosperidade, material
ou não, para a sociedade, contribuindo para o seu desenvolvimento económico e
social. Para muitos cientistas, isto passará pela transferência de conhecimento
para a sociedade, geralmente feita através de patentes ou direitos autorais,
mas este desiderato pode ser também alcançado de uma forma mais simples: influenciando
positivamente a sociedade e todos os seus actores, em particular os actores
políticos, a serem rigorosos nas suas análises, a não serem imunes à evidência,
a discutirem com espírito crítico, a aceitarem o pluralismo. Esta missão
faz-se, sobretudo, através das políticas públicas, onde temos estado
repreensivelmente ausentes.
A nossa ausência reiterada do espaço de discussão das políticas públicas
tem o efeito que se conhece: más políticas públicas, que oneram o contribuinte,
e prestam um desserviço à sociedade. Não quero com isto sugerir que as
políticas públicas seriam elaboradas de forma irrepreensível se contassem
sempre com a nossa participação — afinal, também os cientistas são (muito)
falíveis. Acredito, contudo, que podemos contribuir para que as políticas
públicas sejam mais resilientes e assentes em métodos rigorosos, que é, afinal,
o crux da ciência. Podemos contribuir para que haja mais e melhor
informação na tomada de decisão. Podemos contribuir para que os decisores
políticos consigam perceber as implicações das suas decisões para lá do
horizonte da legislatura, momento que deixa de os afectar a eles, mas que
continua a pesar sobre nós, cidadãos. Podemos contribuir informando, de uma
forma séria e estruturada, a sociedade.
Esta possibilidade não é apenas uma prerrogativa — é um dever de
quem faz ciência, especialmente quando feita por cientistas de excelência. O
INESC TEC e as unidades de ensino superior associadas contam com alguns dos
melhores cientistas do país, mas também do mundo, o que torna ainda mais
imperioso que sejamos um actor activo e interventivo no espaço de discussão
pública.
Isto não significa que falemos a uma só voz. Nas políticas públicas não
existe uma só voz. O que isto significa é que poderemos e deveremos dar
contribuições valiosas para a discussão, ainda que, por vezes, possam ser
conflituantes. Seria altamente pernicioso que existisse um pensamento único
numa unidade de criação de conhecimento, que se quer plural, heterogénea e
intelectualmente livre.
A área da Saúde, em particular, carece desesperadamente desses
contributos. As decisões que muitas vezes são tomadas, algumas das quais
assentes tão e somente em preconceitos ideológicos, têm consequências gravosas
para a sociedade e sobretudo para os mais vulneráveis, facto que não nos deverá
deixar indiferentes. Más decisões e más políticas públicas impactam
directamente milhares de pessoas.
A nossa
missão, enquanto académicos, também é para com estas pessoas — os nossos
concidadãos. Mesmo se todos os outros se abstiverem deste debate, temos de ser
nós, académicos, os bastiões que almejam a uma sociedade construída sobre o
espírito das luzes, o espírito da razão, dos factos e da ciência. Não é uma
opção nossa. É um dever.