IA e Sustentabilidade: As oportunidades mas também os riscos que já enfrentamo

António Baptista

  INESC TEC

António Lucas Soares

  INESC & Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)


As ferramentas e o conceito associado à denominada “Inteligência Artificial” ganharam ampla visibilidade junto dos consumidores nos últimos anos, assim como grande interesse de negócio junto de investidores e empresas. Contudo, e como qualquer “El Dourado”, há que analisar e acautelar as implicações destas novas soluções, seja em termos da sustentabilidade económica, ambiental e social.

O advento de avanços significativos na transposição e aperfeiçoamento de algoritmos matemáticos enquadrados no conceito lato de “Inteligência Artificial” (IA), nomeadamente com as atuais capacidades elevadas de computação e grandes quantidades de dados para o treino de modelos, permitiram o aparecimento de aplicações concretas baseadas em IA para solucionar problemas complexos (ex. saúde, energia, indústria, transportes, marketing, etc.). Com o sucesso destas aplicações e desenvolvimentos, surgiram dois efeitos rápidos à escala mundial: o interesse dos mercados e investidores empresariais, e a ampla divulgação deste novo paradigma e conceito aos demais consumidores e cidadãos (muito por via dos “Modelos de Linguagem de Grande Escala”, LLMs no acrónimo anglo-saxónico de Large Language Models e popularizado pela solução ChatGPT da empresa OpenAI).

São patentes os investimentos avultados dos gigantes mundiais da indústria de software, mas também, necessariamente, dos fabricantes de hardware (chips, sistemas de gigantescos de computação e armazenamento de dados) e, menos visível ou do conhecimento do consumidor final, da cativação e exigência de grandes quantidades de energia elétrica para cobrir as necessidades de potência de computação e refrigeração das infraestruturas de cálculo, e finalmente da água para arrefecer estes sistemas. Com efeito, neste novo “El Dourado”, assim como outros anteriores, há o entusiasmo natural da descoberta e da procura por “novas minas” de oportunidades e aplicações, nomeadamente com o fito no enriquecimento geral e, expectavelmente, no desenvolvimento dos territórios e população. Assim, e voltando ao contexto das aplicações IA, poderá perguntará o leitor: “mas afinal estas novas APPs de IA, ou APPs atualizadas com IA, não são apenas mais um tipo de software que pode possibilitar uma grande automatização de processos por via da desmaterialização suportada na digitalização e paradigma Indústria 4.0”? A resposta é “Não”, havendo como sempre “Prós” e “Contras”, devendo ser analisada e explicada, também, sobre o prisma essencial da Sustentabilidade, numa lógica tripla: sustentabilidade económica, sustentabilidade ambiental, e sustentabilidade social. Não é obviamente a intenção deste texto em fornecer “todas as respostas” a esta análise. Mas enfatizar já, na lente que ser quer imparcial da ciência, vantagens-oportunidades, mas também desvantagens-riscos, e sobretudo levantar ou realçar questões que levem a mais reflexão científica e ao despertar de maior consciência crítica do lado dos cidadãos.

A cada ciclo de inovação, tecnológico, ou comumente na história da humanidade na interligação de avanços científicos-tecnológicos e de inovação, existe invariavelmente a motivação para a procura da capitalização dos resultados ou potenciais impactos numa vertente económico-financeira e exploração de mercado. Por isso, não é surpresa, nem os investimentos avultados efetuados em menos de uma década em torno do novo paradigma IA - o “hype atual” - nem os riscos especulativos e correções bolsistas/empresariais de maior ou menor dimensão que se sucederão (como começam a surgir sinais à data da escrita deste artigo). Assim, na vertente da Sustentabilidade Económica e Financeira, também no caso a ampla aplicação de soluções de IA, seja na mobilidade-transportes (por exemplo nos muito antecipados veículos com total autonomia), seja na indústria, ou demais serviços, as empresas ou grupos económicos devem acautelar bem os seus investimentos e avaliar as expectativas de retorno, como os ganhos de produtividade e redução de custos que podem ser grandes, face à maturidade da técnica, seja ao nível de processos internos, produtos, serviços ou produtos-serviços.

Na vertente da sustentabilidade ambiental, gestão de recursos naturais e níveis de poluição, começa a ficar mais evidente que, apesar de vantagens da utilização de ferramentas e técnicas de IA para melhorias e otimização de processos, materiais, produtos, serviços (exemplos, maior eficiência energética, eficiência do uso de materiais e água, etc.), existem várias ameaças associadas ao elevado grau de materialidade e energia que os algoritmos e aplicações exigem para o seu próprio funcionamento. Vivemos hoje num mundo confrontado com a denominada Tripla Crise Planetária, onde os efeitos das Alterações Climáticas, Poluição e perda de Biodiversidade, já são constatáveis e tendem a ameaçar o desenvolvimento futuro da humanidade, demais espécies em risco de extinção, e destruição massiva de habitats e ecossistemas naturais. Apesar de vários programas nacionais ou globais (nomeadamente Protocolo Quito 1997, Agenda UN Paris 2015) com vista à mitigação e contenção dos efeitos do Aquecimento Global do Planeta, continuam a registar-se sequências mensais de temperaturas record, maior frequência, duração e intensidade de vagas de calor, tempestades e catástrofes naturais. A meta de conter o aquecimento global abaixo de +1,5ºC poderá estar eminentemente comprometida face aos limitados resultados globais de descarbonização global da economia [1].

Neste contexto desfavorável, é cada vez mais urgente reduzir em larga escala a emissão de gases de efeito de estufa, nomeadamente CO2, acelerar a transição energética para fontes renováveis, mas também atuar ao nível da gestão de recursos hídricos. Na vertente energética, a proporcionalidade entre a capacidade de computação e a potência requerida, o treino de modelos cada vez maiores (com nível de exigência de computação exponencial), e a utilização massificada de ferramentas de AI (nomeadamente IA Generativa) em ambiente profissional ou pessoal, traduz-se por consumos elétricos de grande magnitude. A título de exemplo, o conjunto de centros de dados/ cálculo e redes de transmissão, representam cerca de 3% do consumo energético mundial, o que significa uma emissão anual de CO2 equivalente ao Brasil, e quase duplicar o consumo de energia em 4 anos, de 460TWh em 2022 para 1000 TWh em 2026 [2]. O nível de energia requerido é, deste modo, tão grande, que empresas gigantes do software estão, por um lado, a planear ou a firmar contratos de energia diretos e em exclusividade a centrais nucleares, barragens ou outras centrais de energia, e por outro lado a rever os seus planos de descarbonização para roteiros potencialmente mais lentos rumo à neutralidade carbónica [3]. No aspeto associado ao consumo de água doce, os dados mais recentes são preocupantes, seja pelas necessidades crescentes relacionadas com a refrigeração dos centros de cálculo/dados, mas também pela procura exponencial por chips e consequentemente por maiores quantidades de água purificada para alimentar os processos de fabrico, que concorrem com o fornecimento de água potável às populações. A título de exemplo, e salvaguardando o facto de ainda existirem poucos estudos científicos na área, estimativas recentes apontam para um consumo de 0,5 L de água (associada aos sistemas de arrefecimento de centros de cálculo) para uma interação de 20-50 perguntas-resposta com uma aplicação de AI Generativo[4].

Apesar dos referidos riscos ou até desvantagens face ao contexto e necessidade urgente de mitigar as alterações climáticas, não se pode ignorar nem ofuscar as vantagens das ferramentas de AI também em prol da redução do consumo de recursos (energia, água e materiais) nos contextos de aplicação industrial, de sistemas de gestão de cidades, transportes públicos, redes de distribuição de energia, fomentar e potenciar os modelos de negócio circulares, simbioses industriais, gestão de resíduos, etc. Uma questão que se pode e deve colocar é se a aplicação das ferramentas e capacidades de IA não deve ser orientada para finalidades mais importantes na sociedade, instruindo os demais utilizadores, nomeadamente os cidadãos, para um uso consciente e regrado destas ferramentas. Com efeito, enquanto não se acautelar o consumo de energia (implicitamente eliminar as fontes não-renováveis) e a concorrência com o acesso e uso de água doce, o uso extensivo as aplicações de IA deveria, ou não, ser controlado/regulado? 

Referências

[1 ]https://www.scientificamerican.com/article/were-approaching-1-5-degrees-c-of-global-warming-but-theres-still-time-to/

[2] https://www.forbes.com/sites/arielcohen/2024/05/23/ai-is-pushing-the-world-towards-an-energy-crisis/

[3] https://www.ft.com/content/61bd45d9-2c0f-479a-8b24-605d5e72f1ab

[4] https://www.euronews.com/green/2023/04/20/chatgpt-drinks-a-bottle-of-fresh-water-for-every-20-to-50-questions-we-ask-study-warns