De que forma pode a IA abordar os desafios da exploração do mar profundo

Diana Viegas

  INESC TEC

Nuno Cruz

  INESC TEC & Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto


The Importance of Deep-Sea Exploration

A importância da exploração do mar profundo

Uma fatia significativamente extensa do mar profundo mantém-se inexplorada, especialmente em áreas de difícil acesso. No início de 2024, foram descobertas montanhas oceânicas anteriormente desconhecidas, em águas chilenas - todas elas repletas de espécies marinhas. Explorar o mar profundo é importante para descobrir novas espécies e ecossistemas, e apoiar o avanço da ciência; e esta expedição contribuiu para aumentar o nosso conhecimento sobre, aproximadamente, 100 novas espécies. Estes resultados destacam o potencial de encontrar diferentes organismos únicos, fornecendo algumas pistas de como a vida prospera em ambientes extremos - contribuindo para importantes avanços na biologia e na ecologia, ou mesmo para novas pistas sobre a vida em diferentes planetas.

Até ao momento, a resolução dos mapas disponíveis era de tal forma insuficiente que estas montanhas estavam "ocultas". Para além de novas informações morfológicas, os cientistas acabam por descobrir dezenas de novas espécies após cada missão. Estas descobertas levantam muitas questões que permanecem sem resposta: de que forma é que estas espécies sobrevivem e interagem umas com as outras, ou com o ambiente que as rodeia? Como caracterizar a evolução destas espécies em ambiente extremos, onde há uma total ausência de luz solar e uma grande pressão?

O mar profundo contém informações geológicas cruciais para a compreensão da história e dos processos do nosso planeta. Certas descobertas, e.g., montanhas oceânicas, fornecem dados importantes para analisar atividades tectónicas, processos vulcânicos e formação de crosta terreste. O mapeamento deste tipo de ambientes é importante para apoiar os cientistas na previsão de desastres naturais - terremotos e maremotos -, e no desenvolvimento de estratégias para mitigar o seu impacto. O mapeamento deste tipo de ambientes é importante para apoiar os cientistas no conhecimento dos minerais e ecosistemas de mar profundo e na previsão de desastres naturais - terremotos e maremotos -, assim como no desenvolvimento de estratégias para mitigar o seu impacto.

As condições únicas do mar profundo são ideais para o desenvolvimento de espécies com grandes capacidades de adaptação. O estudo destas espécies pode levar a importantes avanços médicos e tecnológicos, tal como enzimas que sobrevivem em condições extremas e podem ser aplicadas em soluções industriais e farmacêuticas. O mar profundo também é uma fonte de novos compostos e materiais, impulsionando a inovação e contribuindo para vários domínios.

A exploração do mar profundo é também crucial para processos de preservação ambiental: compreender a biodiversidade e as dinâmicas destas regiões é vital para saber como protegê-las, sobretudo quando falamos de atividades como a mineração e a pesca em mar profundo. Este tipo de conhecimento mais detalhado permite adotar estratégias de preservação mais eficazes, importantes para a saúde dos oceanos e a biodiversidade, garantindo o bem-estar de todas as pessoas que dependem de recursos marítimos.

Mas de que forma podemos aumentar o nosso conhecimento sobre o mar profundo?

O mar profundo apresenta vários desafios: pressão elevada, condições extremas, ausência de luz, e impossibilidade de garantir a segurança de seres humanos.

Assim, é importante melhorar as soluções robóticas e os sistemas autónomos de que dispomos, para permitir atingir maiores profundidades e maior permanência em contínuo no fundo do mar.

As atuais soluções tecnológicas para missões em mar profundo – e para além da falta de fiabilidade e robustez - são limitadas em termos de profundidade, nível de autonomia, capacidade de processamento, resistência e capacidade de comunicação subaquática.

Assim, torna-se premente abordar tais limitações, e estabelecer metodologias avançadas para a exploração eficaz e a monitorização em tempo real dos impactos ambientais.

De que forma pode a IA abordar os desafios da exploração do mar profundo

1. Operações sob Condições Extremas

O mar profundo caracteriza-se por uma grande pressão, que aumenta com a profundidade, e que obriga ao desenvolvimento de equipamentos especializados capazes de suportar tais condições. Além disso, as temperaturas extremamente baixas também afetam os equipamentos eletrónicos, pelo que são necessários materiais e sistemas desenhados para operar de forma confiável neste tipo de ambiente. Tais condições adversas aumentam a probabilidade de ocorrência de falhas técnicas; assim, realizar testes sistemáticos e contínuos em termos de design de soluções é vital para mitigar estes riscos.

Ao analisar dados anteriores, bem como padrões de falhas, a IA pode recomendar cronogramas de manutenção otimizados. As ferramentas de IA são, assim, capazes de analisar dados de sensores instalados em equipamentos de forma a poder antecipar ocorrências críticas, reduzindo o risco de falhas catastróficas. Por exemplo, tornam possível monitorizar sensores de pressão, medidores de temperatura, padrões de movimento e consumo de energia, para identificar sinais subtis de desgaste ou mau funcionamento.

A luz solar não penetra no mar profundo, pelo que os sistemas de vídeo exigem proximidade e sistemas avançados de iluminação para obter dados relevantes. A IA pode processar e analisar imagens e vídeos em tempo real. Técnicas como machine learning e visão computacional podem melhorar a visibilidade em condições de pouca luz, ajudando a identificar características chave ou mesmo a classificar objetos ou espécies.

2. Restrições Técnicas e Operacionais

Garantir a comunicação com equipamentos submersos é um processo complicado, dadas as limitações na transmissão de ondas rádio e a dependência de sinais acústicos, causando atrasos e um controlo reduzido. O tempo de resposta de um sistema de comunicações acústicas é de cerca de 10 segundos a 7,5km de distância. Os atuais veículos submarinos autónomos são programados para seguir rotas pré-definidas, geralmente traçadas como uma sequência de waypoints - sendo que todos os cenários possíveis, e.g., como enfrentar obstáculos hipotéticos, devem ser considerados. As ferramentas de IA conseguem realizar ajustes em tempo real nos parâmetros operacionais e de rota do veículo em questão, com base nos sensores de perceção do ambiente em redor, garantindo que o veículo é capaz de lidar com mudanças inesperadas no ambiente em que opera. Além disso, as ferramentas de IA podem otimizar as rotas de navegação destes veículos, ajudando-os a evitar obstáculos e a adaptar-se a diferentes condições - em termos de desempenho dos propulsores ou outros equipamentos a bordo. Assim, é possível otimizar as tarefas de exploração de áreas desconhecidas, com o mínimo de intervenção humana possível.

Outro desafio técnico passa por obter uma localização precisa dos dispositivos subaquáticos, e fornecer uma estimativa mais precisa das medições. As técnicas mais comuns dependem da acústica subaquática, com forte propensão a erros, dadas as diferentes condições de propagação sonora. As ferramentas de IA podem ajudar a estimar um modelo para canais de transmissão acústica, com base em medições locais, ajudando a reduzir os erros em termos de localização.

Por fim, os sistemas robóticos autónomos dependem de baterias, e a sua duração é bastante limitada - sendo que grande parte é gasta a emergir e a submergir em áreas de interesse. Neste caso, as ferramentas de IA podem otimizar o consumo de energia, ajustando os parâmetros operacionais (e.g., velocidade, sensores ativos, alocação de propulsores) com base em dados de desempenho em tempo real.

3. Planeamento das Operações, Desafios Logísticos e Financeiros

As atividades de exploração do mar profundo podem perturbar os ecossistemas em questão; assim, o desenvolvimento de práticas sustentáveis e o planeamento cuidado de operações são cruciais para garantir que tais atividades não influenciam negativamente os ambientes em mar profundo. Alcançar determinadas áreas requer um planeamento cuidado, bem com recursos logísticos específicos - incluindo o embarque e o desembarque de veículos através de navios. A exploração do mar profundo é, portanto, uma atividade com custos elevados, que envolve tecnologia de ponta, embarcações especializadas, e vastas equipas de suporte. O financiamento deste tipo de operações requer o apoio de entidades governamentais, empresas privadas ou instituições de investigação.

As ferramentas de IA podem ajudar a otimizar os processos de planeamento, não só através da definição de rotas complementares, mas também através da seleção de parâmetros otimizados (por exemplo, velocidades e níveis de profundidade) para diferentes objetivos. Além disso, as ferramentas de IA podem ser utilizadas para analisar dados globais, encontrar padrões de correlação não-estudados, e identificar locais onde certos objetivos serão mais facilmente alcançados. Graças aos mais recentes avanços em termos de IA, como os modelos de linguagem de grande escala, torna-se possível antecipar novas funcionalidades dos veículos autónomos, onde o operador define apenas o objetivo principal ou determinados elementos de investigação - ficando um operador virtual responsável por "conduzir" o robô.

4. Gestão de Dados

A gestão das grandes quantidades de dados recolhidos - incluindo vídeo, imagens e leituras de sensores - é complexa, e requer inúmeros recursos. Aumentar a eficácia dos processos de armazenamento, processamento e análise é essencial para alcançar insights mais relevantes. A IA é capaz de identificar padrões incomuns ou mudanças nas condições ambientais, e que podem indicar determinados problemas (descida repentina da temperatura ou anomalias na pressão), tornando possível isolar conjuntos específicos de dados úteis para determinados estudos. Em outros casos - por exemplo, em observatórios de águas profundas -, a IA pode ajudar a analisar o comportamento das espécies marinhas e certas mudanças ambientais ao longo do tempo, fornecendo informações valiosas sobre a saúde e a dinâmica do ecossistema.

5. Manipulação em Águas Profundas

Por norma, os veículos operados remotamente utilizam um cabo para garantir o acesso imediato a informação sobre o seu posicionamento (através de imagens e dados sonar), facilitando, assim, a manipulação de objetos debaixo de água. Em águas mais profundas, onde o ideal seria operar sem cabos, a manipulação autónoma acaba por não ser utilizada tão frequentemente. No entanto, os braços robóticos acionados por IA são capazes de realizar tarefas de manutenção e de reparação de equipamentos subaquáticos. Tais soluções são capazes de operar com maior precisão, adaptando-se a cenários complexos, e resolvendo problemas sem qualquer tipo de intervenção por parte de operadores humanos.

Os desafios da exploração do mar profundo são bastante significativos, tais como os desafios que a IA enfrenta até tornar-se um agente verdadeiramente revolucionário neste setor. Ao alavancar a IA, seremos capazes de aumentar a eficiência, a segurança e a compreensão geral dos ambientes de mar profundo. O processamento avançado de dados, as operações autónomas, a modelagem preditiva, a monitorização em tempo real, e os processos otimizados de tomada de decisão são algumas das ferramentas cruciais para aumentar o nosso conhecimento e facilitar a exploração do mar profundo, bem como a eficiência e a segurança das atividades aí realizadas - contribuindo para a gestão sustentável dos recursos oceânicos.


Figura 1 – Lander robótico TURTLE em uma missão nas profundezas do mar


Figura 2 – Link de comunicação ótica do TURTLE para um veículo autónomo subaquático (AUV), permitindo monitorização em tempo real.


Figura 3 – Deteção e classificação automática de zooplâncton