Utilização de energia offshore através da combinação de diferentes tecnologias: Centrais híbridas offshore

Bernardo Silva

  (1)Investigador Sénior, INESC TEC & Professor Auxiliar, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

A atual situação energética da UE requer tecnologias inovadoras para alcançar energia acessível, resiliente e renovável… e há um oceano de oportunidades a explorar

Quando se fala em energia offshore, a energia eólica é a primeira tecnologia que vem diretamente à nossa mente. De facto, esta tecnologia é a grande responsável pela geração de energia offshore, estando já em estado comercial. Desde os anos 2000, a indústria eólica tem tido um crescimento massivo e sustentado, com grande destaque na Europa. Portugal é um dos exemplos de boas práticas no que diz respeito à integração eólica, que aliada a uma energia hídrica favorável, têm originado bons rácios de integração de energias renováveis no mix de fontes primárias para a produção de energia elétrica. Muitos outros países têm vindo a adotar energia eólica e, mais recentemente, a adotado centrais fotovoltaicas, com o objetivo de atingir as metas de fontes renováveis na produção de eletricidade, reduzindo a necessidade de combustíveis fósseis e, consequentemente, as emissões de CO2.

Não obstante, os melhores locais para implantação de parques eólicos já se encontram utilizados no território continental europeu. Além disso, os planos de desativação de centrais nucleares, o mercado de carbono e, mais recentemente, o aumento do preço do gás natural, aumentam a necessidade de novas centrais, de origem renovável, onde a energia eólica desempenha um papel importante. Consciente dos desafios, a Comissão Europeia antecipou a necessidade da adoção de produção de energia offshore, com uma quantidade prevista de 60 GW de energia eólica offshore e 1 GW de energia oceânica, através de outras tecnologias, a serem instaladas até 2030 (Comissão Europeia, 2020). De acordo com a associação WindEurope (WindEurope, 2020), até o final de 2020, 25 GW de energia eólica offshore foram instalados na Europa. Estes parques são normalmente instalados perto da costa em monoestacas ou através de fundações de treliça. No entanto, a tecnologia flutuante, já instalada e em exploração no parque eólico offshore de Viana do Castelo, abre a possibilidade de ir mais longe, explorando águas mais profundas.

Contudo, a energia offshore não se resume à energia eólica. De facto, vários desenvolvimentos foram feitos na área das energias das ondas nas últimas duas décadas. Diferentes tecnologias foram investigadas e implementadas, mas falharam em testes reais devido à incapacidade das soluções apresentadas, em resistir às forças das ondas. Recentemente, algumas empresas têm desenvolvido conceitos alternativos de conversores de energia das ondas, que têm demonstrado bons resultados em projetos-piloto à escala real. Em simultâneo, a tecnologia fotovoltaica também tem sido utilizada sobre a água, através de dispositivos flutuantes. Apesar de a maioria dos projetos serem implementados em rios ou barragens, existem também alguns projetos-piloto a nível offshore, apresentando resultados muito satisfatórios, nomeadamente no que diz respeito à resistência às condições marítimas adversas, como é o caso de tempestades marítimas. Apesar das potências e maturidade tecnológica serem ainda reduzidas, as tecnologias de conversão de energia das ondas e solar flutuante, começam a ser encaradas como alternativas viáveis de produção de energia offshore.

Todas as tecnologias renováveis offshore partilham o desafio comum da interligação com as redes elétricas continentais. As interligações são realizadas através da adoção de um circuito de cabos submarinos, que acarreta custos elevados. Estes, em conjunto com os custos de desenvolvimento do próprio parque offshore, traduzem-se num custo nivelado de eletricidade (CNE) elevado para estes projetos, o que significa que o índice €/MWh produzido tende a ser superior comparativamente com os projetos semelhantes em terra. Posto isto, a necessidade de ter mais eletricidade de base renovável e com custos mais baixos, traz a motivação de explorar a possibilidade do desenvolvimento de centrais de energia offshore híbridas, que permitam a redução do CNE e a incorporação de fontes de energia renovável.

As centrais de energia offshore híbridas possibilitarão a obtenção de mais eletricidade de base renovável no mar e, ao compartilhar a mesma infraestrutura de interconexão, deverão permitir reduzir os custos de interligação, contribuindo assim para projetos com um menor CNE. Apesar de mais capacidade instalada geralmente significar a necessidade de mais capacidade no cabo de interligação, mais geração de energia pode não ter esse impacto, desde que os parques híbridos offshore sejam projetados para explorar a correlação entre as fontes renováveis, aumentando a taxa de utilização do cabo existente. Isso significa que, por exemplo, para um determinado parque eólico offshore, uma certa quantidade de hibridização pode ser instalada (ou seja: eólica + energia das ondas, eólica + fotovoltaica flutuante, eólica + onda + fotovoltaica flutuante) fazendo um melhor uso da infraestrutura de interconexão, através de um maior aproveitamento de energia renovável, não impactando na necessidade de um cabo com maior capacidade, não aumentando os custos de interconexão e, consequentemente, mitigando aumentos do CNE.

Qual deverá ser a composição tecnologia do parque híbrido offshore?

As centrais híbridas offshore, como dito anteriormente, são compostas por uma combinação de diferentes tecnologias de geração offshore que compartilham uma infraestrutura de interconexão comum. Existem duas alternativas para a implementação. A primeira consiste em hibridizar parques eólicos offshore existentes com outras tecnologias, permitindo aumentar energia produzida, sem exceder a capacidade do cabo de interligação existente, através da exploração da correlação entre fontes renováveis envolvidas. A segunda solução consiste em construir uma central offshore híbrida de raiz. Em ambos os casos, torna-se crucial a determinação de quais as tecnologias e respetivas potências instaladas que constituirão o parque híbrido. Para tal, é necessária a utilização de dados de recursos renováveis e modelos computacionais responsáveis por simular diferentes combinações de tecnologias para determinar qual o melhor conjunto a ser implementado. Há também a necessidade de incorporação de dados adicionais relacionados às especificidades da localização geográfica, como: profundidade, composição do solo marinho e restrições ambientais para possibilitem determinar a melhor a solução para o caso em análise. Dado o elevado nível de especificidades, a solução obtida não será passível de ser extrapolada para uma variedade de projetos, mas originará diretrizes importantes que poderão ser consideradas para diferentes áreas geográficas.

Quanta energia renovável offshore pode ser conectada ao sistema elétrico de energia?

A integração de fontes renováveis, especialmente marítimas, dependerá da capacidade de conexão com a rede continental, da tecnologia adotada para a transmissão de energia (Corrente Contínua de Alta Tensão ou Corrente Alternada de Alta Tensão – respetivamente HVDC ou HVAC na literatura anglo-saxónica) e dos aspetos de estabilidade dinâmica da rede continental. É de extrema importância a realização de uma extensa avaliação para a determinação do volume máximo de interligação e as respetivas localizações

A partir de uma escala regional, é necessário determinar a capacidade de conexão de cada subestação terrestre, próxima à costa, definindo-se assim uma quantidade hipotética de capacidade de conexão. Por outro lado, ao nível do sistema elétrico, é importante entender quais são os impactos da transposição da capacidade de interligação regional à sua operação. Para isso, torna-se necessária a elaboração de estudos sobre a operação em situação de N-1 (contingência) e avaliação de segurança dinâmica, para determinar a capacidade efetiva de interligação segura de centrais offshore. Nesse aspeto, a adoção de redes offshore (HVAC ou HVDC) poderá contribuir para aumentar a interligação entre países e globalmente a integração de energia renovável nos sistemas elétricos interligados.

Como efetuar manutenção a um parque híbrido offshore?

A manutenção é um aspeto crítico relacionado às operações offshore, de difícil execução, especialmente em cenários de condições marítimas adversas, apresentando um custo bastante elevado (em comparação com as operações de manutenção no continente). É consensual que as centrais offshore precisarão de manutenção, com diferentes requisitos para cada uma das tecnologias adotadas, sendo fundamental otimizar as tarefas de manutenção marítimas de forma a reduzir os custos operacionais. Determinar as necessidades de manutenção e a janela temporal adequada para a realização de tais ações, requer a incorporação de ferramentas computacionais aliadas à monitorização das centrais híbridas, de previsão dos recursos renováveis envolvidos e das condições do marítimas. A digitalização terá um papel fundamental na monitorização, que aliada a modelos adequados, ajudará os tomadores de decisão a determinar os cronogramas de manutenção mais econômicos.

O INESC TEC faz parte do consórcio do projeto europeu EU-SCORES, onde muitos dos desafios acima mencionados serão abordados de forma a estabelecer um roadmap para centrais híbridas offshore a serem implementadas na Europa, permitindo também a extrapolar alguns fatores a outras geografias. Além disso, o projeto também abordará os aspetos logísticos e ambientais relacionados à construção e instalação desta tipologia de centrais.



Referências

European Commission (2020) - An EU Strategy to harness the potential of offshore renewable energy for a climate neutral future.

WindEurope (2020) - Offshore Wind in Europe Key trends and statistics 202