Eletrónica de Potência para Redes Elétricas Inteligentes e Micro-redes

João L. Afonso

  (1)Professor Catedrático, Dep. Eletrónica Industrial - Universidade do Minho & Investigador Integrado, Centro ALGORITMI & LASI

Carlos Henggeler Antunes

  (1)Professor Catedrático, Dep. Eletrónica Industrial - Universidade do Minho & Investigador Integrado, Centro ALGORITMI & LASI

Vitor Monteiro

  (3)Professor Catedrático, Dep. de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, Universidade de Coimbra & Diretor do INESC Coimbra

Clara Gouveia

  (4)Investigadora Sénior, INESC TEC

Nas últimas décadas, as tecnologias de eletrónica de potência têm contribuído para importantes desenvolvimentos dos sistemas elétricos de energia, a nível da produção, transporte, distribuição e utilização de energia, e culminando com o advento das redes elétricas inteligentes (smart grids) e das micro-redes (microgrids), sendo imprescindíveis para viabilizar a integração de produção renovável com tecnologias de armazenamento de energia e a sua operação coordenada.

Eletrónica de Potência

A eletrónica de potência é a área tecnológica associada à utilização de componentes elétricos e eletrónicos para a conversão, controlo e condicionamento da energia elétrica. Recorrendo a sistemas que empregam eletrónica de potência, é possível processar o fluxo de energia elétrica da produção para as cargas e vice-versa, permitindo, em ambos os casos, o funcionamento altamente eficiente e fiável dos sistemas elétricos de energia. Em particular, utilizam-se circuitos de eletrónica de potência quando o objetivo é modificar a forma como a energia elétrica é disponibilizada, seja na conversão de corrente alternada para corrente contínua (utilizando retificadores) ou de corrente contínua para corrente alternada (utilizando inversores), seja para alterar a amplitude de tensões e correntes, tanto em corrente contínua (utilizando fontes de alimentação comutadas), quanto em corrente alternada (utilizando reguladores de tensão ou dimmers), ou ainda para alterar o valor da frequência (utilizando cicloconversores ou pela combinação de retificadores e inversores). As tecnologias de eletrónica de potência podem ser utilizadas em variadíssimos fins, desde soluções para aplicações de baixa potência (e.g., na ordem dos mW em sistemas móveis de comunicação) até soluções para aplicações de elevada potência (e.g., na ordem dos GW em sistemas de transporte de energia elétrica em alta tensão em corrente contínua). A evolução tecnológica tem permitido projetar soluções de eletrónica de potência com custos mais reduzidos, com maior eficiência e com funcionalidades acrescidas, incluindo a operação tolerante a falhas. A eletrónica de potência continuará a ser imprescindível como suporte a novas soluções tecnológicas (Figura 1): sistemas para produção de energia a partir de fontes renováveis; sistemas de armazenamento de energia; sistemas de gestão de cargas; sistemas de produção de hidrogénio “verde”; sistemas de mobilidade elétrica (incluindo transportes ferroviários, rodoviários, marítimos e aeroespaciais); sistemas de telecomunicações; sistemas para melhoria da qualidade de energia elétrica e controlo de fluxo de potência (incluindo condicionadores ativos de potência e solid-state transformers); e sistemas de utilização de energia em indústrias e residências (automação e robótica, sistemas de controlo de motores, iluminação, climatização, eletrodomésticos, etc.) (AFONSO, 2020)(AFONSO, 2021).

Redes Elétricas Inteligentes (Smart Grids) e Micro-redes

A descarbonização da economia, aliada à necessidade de renovação das redes elétricas, desencadeou uma mudança de paradigma nos sistemas elétricos de energia, aumentado a capacidade de integração de produção descentralizada baseada em fontes renováveis e de novos serviços e mercados que promovem a participação ativa dos consumidores (LOPES, 2019).

Surge, assim, o conceito de rede elétrica inteligente (smart grid), uma rede ativa com capacidade de lidar com a maior complexidade da operação, através de novas soluções de monitorização, automação e controlo. Estas novas soluções têm como objetivo assegurar uma operação da rede mais segura e mais eficiente do ponto de vista técnico e económico, viabilizando a oferta de novos serviços aos consumidores, produtores e produtores-consumidores (prosumers). Especificamente, as redes inteligentes envolvem a integração de tecnologias diversificadas nas redes elétricas, a fim de estabelecer um fluxo bidirecional de informações sobre a operação e o desempenho da rede, desde os sistemas de produção aos sistemas de transmissão, distribuição e utilização de energia.

As tecnologias de eletrónica de potência assumem, neste contexto, especial relevância em várias aplicações (Figura 2) associadas aos veículos elétricos, à produção renovável dispersa e às soluções de armazenamento de energia. Estas interfaces têm como função assegurar a ligação otimizada à rede elétrica, assim como minimizar o impacto destas tecnologias na respetiva operação.

Os conversores de eletrónica de potência, vulgarmente denominados de inversores inteligentes (smart inverters), possibilitam atualmente a integração de algoritmos de controlo local para suporte à regulação de tensão, frequência e também comunicação e controlo remoto (IEEE, 2018). Com estas tecnologias de monitorização e comunicação para recolha de informações e atuação remota, o inversor é capaz de localmente ajustar a sua potência em função das condições da rede, evitando a saída de serviço de produção de base renovável e, ao mesmo tempo, permitindo a sua integração em sistemas de gestão de energia e de otimização do funcionamento da rede.

A flexibilidade dos inversores e a sua interoperabilidade viabilizam a exploração de estratégias de gestão ativa do consumo com benefícios para o consumidor, as comunidades de energia e também a operação da rede elétrica. Por exemplo, no caso do veículo elétrico, quando ligado à rede, poderá carregar de forma controlada ao operar em modo G2V (grid-to-vehicle), assim como dar suporte à rede ou até à residência onde esteja ligado, ao operar em modo V2G (vehicle-to-grid) ou V2H (vehicle-to-home) (MONTEIRO, 2016)(GOUVEIA, 2013).

Também nas micro-redes é fundamental a flexibilidade dos inversores inteligentes, visando estratégias de deteção e proteção de falhas, assim como a operação confiável e com altos padrões de qualidade de energia elétrica. Definida como uma rede de distribuição que integra produção distribuída, armazenamento de energia elétrica e cargas flexíveis que operam de forma controlada e coordenada, a micro-rede pode operar interligada à rede de distribuição, ou ainda funcionar em ilha (isolada da rede elétrica) (ANDRE, 2017).

Os novos enquadramentos regulatórios de autoconsumo coletivo, assim como as preocupações com a segurança de abastecimento e a resiliência do sistema elétrico, têm conduzido a um crescente interesse nestas soluções. Simultaneamente, a flexibilidade dos inversores inteligentes tem ainda conduzido à definição de diferentes topologias da micro-rede (em corrente contínua, por exemplo) e à integração de diferentes tecnologias (desde os geradores convencionais aos eletrolisadores), viabilizando a sua utilização em modelos de negócio diversos, que vão desde a eletrificação, alimentação de infraestruturas em locais remotos, comunidades de energia e data centres.

Sob uma perspetiva de resiliência do sistema elétrico, a micro-rede tem ainda a capacidade de blackstart, podendo também ser agregada em clusters, alimentando as cargas de uma região através de estratégias locais de reposição de serviço (MONTEIRO, 2016). No entanto, estes modos de operação requerem estratégias específicas de controlo dos inversores e mecanismos de sincronização (GOUVEIA, 2013)(MONTEIRO, 2021).

Na infraestrutura da rede elétrica, a adoção de tecnologias baseadas em eletrónica de potência tem como objetivo aumentar a capacidade de transporte e a melhoria da estabilidade da rede e da qualidade da energia elétrica. No entanto, devido ao seu elevado custo, a sua integração decorre maioritariamente na transmissão, com a instalação, por exemplo, de FACTS (Flexible Alternating Current Transmission Systems) e STATCOM (STATic synchronous COMpensator). Contudo, é esperado que nos próximos anos surjam novas soluções para a rede de distribuição onde, para além da gestão de congestionamento, estes equipamentos permitam também melhorar a capacidade de regulação da tensão elétrica, aumentando a flexibilidade da infraestrutura de rede (MONTEIRO, 2021)(ZHU, 2021).

Em conclusão, face aos objetivos de descarbonização e às perspetivas de evolução tecnológica, as redes elétricas do futuro serão sistemas dominados, em grande parte, por tecnologias de eletrónica de potência, desde a produção de energia até ao seu consumo, passando pela gestão das redes. Este novo paradigma conduz à necessidade da definição de estratégias de controlo que integrem todas as componentes do sistema, de forma individual ou agregada, em micro-redes como elementos ativos na otimização, operação e fiabilidade do sistema elétrico global. A contribuição das tecnologias de eletrónica de potência será também essencial para mitigar o número estimado de cerca de 770 milhões de pessoas sem acesso a eletricidade no mundo (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2021), e de cerca de 3,5 mil milhões que sofrem com a conexão a redes elétricas com baixa qualidade no fornecimento de energia (AYABURI, 2020).



Referências

[1] AFONSO, J.; Tanta, M.; Pinto, J.; Monteiro, L.; Machado, L.; Sousa, T.; Monteiro, V. (2021) - A Review on Power Electronics Technologies for Power Quality Improvement. Energies, vol.14, no.24, pp.1-71

[2] AFONSO, J.; Cardoso, L.; Pedrosa, D.; Sousa, T.; Machado, L.; Tanta, M.; Monteiro, V. (2020) - A Review on Power Electronics Technologies for Electric Mobility. Energies, vol.13, no.23, pp.1-61.

[3] LOPES, J.; Madureira, A.; Matos, M.; Bessa, R.; Monteiro, V.; Afonso, J.; Santos, S.; Catalao, J.; Antunes, C.; Magalhães, P. (2019) - The Future of Power Systems: Challenges, Trends and Upcoming Paradigms. Wiley Interdisciplinary Reviews: Energy and Environment, vol.9, no.3, pp.1-16. Leal, R Teixeira. PoDIT: Portable device for Indoor Temperature Stabilization: Concept and Theoretical Performance Assessment. Energies 13 (22), 5982. 2020.

[4] Institute of Electrical and Electronics Engineers, Inc. (IEEE); IEEE Standard 1547(2018) “Standard for Interconnection and Interoperability of Distributed Energy Resources with Associated Electric Power Systems Interfaces”. https://standards.ieee.org/ieee/1547/5915/

[5] MONTEIRO, V.; Pinto, J.; Afonso, J. (2016) - Operation Modes for the Electric Vehicle in Smart Grids and Smart Homes: Present and Proposed Modes. Transactions on Vehicular Technology, vol.65, no.3, pp.1007-1020.

[6] GOUVEIA, C.; Moreira, C.; Lopes, J.; Varajão, D.; Araújo, R. (2013) - Service Restoration in Low Voltage MicroGrids with Plugged-in Electric Vehicles. Industrial Electronics Magazine, vol.7, no.4, pp.26-41.

[7] ANDRE, R.; Guerra, F.; Gerlich, M.; Metzger, M.; Rodriguez, S.; Gouveia, C.; Moreira, C.; Damásio, J.; Santos, R.; Gouveia, J. (2017) - Low Voltage Grid Upgrades enabling islanding operation”, CIRED 2017, Glasgow, Scotland.

[7] MONTEIRO, V.; Martins, J.; Fernandes, A.; Afonso, J. (2021) - Review of a Disruptive Vision of Future Power Grids: A New Path Based on Hybrid AC/DC Grids and Solid-State Transformers. Sustainability, vol.13, no.16, pp.1-24.

[8] ZHU, X.; Singh, A.; Mather, B. (2021) - Grid Value Investigation of Medium-Voltage Back-to-Back Converters. IEEE Power & Energy Society Innovative Smart Grid Technologies Conference (ISGT), 2021, pp. 1-5.

[9] International Energy Agency (2021) - World Energy Outlook.

[10] AYABURI, J.; Bazilian, M.; Kincer, J.; Moss, T. (2020) - Measuring “Reasonably Reliable” access to electricity services. The Electricity Journal, vol.33, no.7, pp.1-7.