Os Edifícios: um setor particularmente adequado à Transição Energética.

Vitor Leal

  (1)Professor Assistente, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto & Investigador, LAETEA & Investigador Afiliado, INESC TEC

Como os edifícios podem contribuir em todas as dimensões importantes da transição energética.

Um setor importante

Os edifícios representam cerca de 27% do consumo de energia final em Portugal (IEA, 2022), e 42% na União Europeia (EUROSTAT, 2022). Ao nível da União Europeia, são o primeiro setor de consumo, ao passo que em Portugal são o segundo, a par com a Indústria e atrás dos transportes. O clima mais ameno no inverno, menor tradição no uso de aquecimento generalizado das habitações, e uma taxa de motorização particularmente elevada nos transportes em Portugal são as prováveis explicações para estas diferenças.

Já ao nível da eletricidade, a quota atual do setor dos edifícios em Portugal é de 62% do consumo total, tendo o consumo desde o ano 2000 crescido 32% no subsetor dos edifícios residenciais, e 46% no dos edifícios de serviços.

Trata-se, portanto, de um setor que é já muito relevante pelo peso que representa no consumo, quer de energia final, quer de eletricidade. Mas parece-nos também que se trata de um setor particularmente adequado à transição energética, pelos motivos que explicaremos. Comecemos por um breve resumo das principais caraterísticas que se anteveem necessárias à transição do sistema energético (uso intencional do singular) para um paradigma mais sustentável:

A caraterística 5 deve ser vista como uma solução de recurso e não como uma solução alternativa de igual mérito relativamente ao conjunto 2-3-4, na medida em que é uma opção que será sempre muito menos eficiente, numa análise well to wheel. Este aspeto tem sido frequentemente subvalorizado, mas torna-se claro quando se considera que as eficiências na produção e utilização do hidrogénio / CS são muito menores do que as da utilização direta da eletricidade.

Façamos uma análise do posicionamento do setor dos edifícios relativamente a cada uma das caraterísticas-chave supra.

Eficiência na utilização de energia

Os principais usos de energia nos edifícios são para climatização (com claro predomínio do aquecimento, nos países da OCDE), aquecimento de água para usos sanitários, equipamentos domésticos (appliances), iluminação (nos edifícios de serviços) e equipamentos eletrónicos. No que respeita à climatização, há ampla margem de redução das necessidades, através do melhoria do isolamento e proteção solar, e de um controlo mais adequado da ventilação; E no que respeita à iluminação, uma margem também muito grande para desligar onde e quando não necessário (a primeira regra da eficiência energética!).

Eletrificação dos usos, e produção da eletricidade a partir de fontes renováveis.

Praticamente todos os serviços de energia pretendidos nos edifícios podem ser conseguidos através de energia elétrica, pelo que não se encontram aqui obstáculos significativos. Tradicionalmente, era desaconselhado o aquecimento por efeito de Joule (ambiente e de água), por ser menos eficiente em termos de energia primária do que o uso de gás; porém, o amadurecimento da tecnologia de bombas de calor, e a maior disponibilidade de eletricidade de origem renovável permitem obviar este inconveniente. Também a produção local de eletricidade não só se afigura possível, como encontra condições vantajosas – pelo menos, enquanto as baterias forem caras, no setor dos edifícios de serviços, onde existe uma maior sincronização entre a produção e o consumo. Todos vemos a (re)evolução em curso com a instalação de painéis fotovoltaicos em coberturas e fachadas, sendo que os painéis solares térmicos, se corretamente instalados e mantidos, são também uma tecnologia madura.

Armazenamento e flexibilidade nos momentos de utilização energia.

Apesar de o armazenamento de energia elétrica ser difícil (ou, pelo menos, para já, dispendioso), o armazenamento de calor é relativamente fácil. Combinando a existência de massa térmica e de isolamento térmico significativo em seu redor, é fácil armazenar calor durante várias horas ou dias. Muitos de nós temos já essa experiência no aquecimento de água em cilindros elétricos com tarifa bi-horária, em que a resistência funciona apenas durante a noite.

Também para a climatização, existe um grande potencial de deslocação temporal de cargas (load shifting, na linguagem de demand-side management). Tal exige, contudo, que os edifícios, para além de bem isolados termicamente (sem esquecer as janelas), tenham massa térmica interior considerável. Infelizmente, a tendência das últimas décadas para construção rápida e barata levou à adoção de soluções de baixa massa, com pouca inércia térmica. Contudo, existem ainda muitos edifícios mais antigos com massa térmica significativa. E poderiam desenvolver-se soluções de retroffitting, recorrendo a materiais de mudança de fase (PCM) para aumentar a massa térmica dos edifícios mais recentes (Leal e Almeida, 2021). Também na refrigeração se poderiam desenvolver soluções com PCM que criassem capacidade de deslastre de cargas por algumas horas.

Recurso ao hidrogénio verde e/ou combustíveis sintéticos (CS)

No caso dos edifícios, e ao contrário da indústria e dos transportes, não se perspetivam serviços de energia que não possam ser supridos por eletricidade. Admite-se, contudo, que a produção e armazenamento de hidrogénio possa vir a ser uma solução atrativa para a dar uso a excedentes de produção de eletricidade durante o dia, e/ou para armazenamento de energia (intra diário ou mesmo sazonal). Não sendo desde já evidente qual a viabilidade económica desta solução, regista-se que não se identificam obstáculos técnicos significativos à sua adoção em alguns tipos de edifícios (os de maior dimensão).

Necessidades de Investigação e Desenvolvimento (I&D)

No setor dos edifícios, já existem muitas soluções, tecnicamente maduras e com racional económico crescente, que podem ser aplicadas e produzir avanços muitos significativos rumo à descarbonização. O desafio principal neste campo é a formação profissional e a criação dos instrumentos regulatórios necessários à transformação do mercado. Há, contudo, áreas em que o avanço poderá ser maior e/ou mais rápido com recurso de soluções inovadores derivadas de I&D. Identificam-se nesta frente: soluções para aumento da massa térmica dos compartimentos; equipamentos e frio com capacidade de load shifting; soluções integradas de iluminação e proteção solar.

Para além das tecnologias per se, a criação de ferramentas de análise de soluções e de apoio à identificação das soluções técnica e economicamente mais adequadas é também da maior relevância. Demasiadas vezes os arquitetos e projetistas se focam rapidamente numa solução, quando seria vantajosa a consideração de várias opções antes do foco numa solução específica.

Particularidades de Portugal

É conhecido que, em Portugal, as temperaturas interiores durante o Inverno são inferiores aos 18-20ºC - geralmente reconhecidos como limite inferior do conforto térmico. Uma monitorização a cerca de 160 habitações de estudantes do ensino secundário em quatro municípios no norte de Portugal mostrou que menos de 1/3 estava em situação de conforto, e que franjas da população chegam mesmo a ter temperaturas da ordem dos 12ºC (figura 2). A reabilitação energética nestes casos tende, por um efeito conhecido como rebound effect, a causar poupanças energéticas reduzidas ou pelo menos menores do que as calculadas por modelos teóricos. Tal não significa que não seja necessária: trata-se de uma questão de qualidade de vida.

Por outro lado, o facto de termos uma amplitude térmica significativa, em que no Inverno a temperatura máxima diária costuma estar acima dos 10ºC, cria condições particularmente favoráveis às bombas de calor ar-ar, em condições de operação eficiente e menos dispendiosas do que as bombas ar-água, que vêm sendo adotadas nos países do centro e do norte da Europa.



(1)
https://www.iea.org/countries/portugal



Referências

IEA – International Energy Agency. Portugal Country Profile. Available at: https://www.iea.org/countries/portugal , accessed on October 3rd, 2022.

EUROSTAT - The statistical office of the European Union. Complete Energy Balances. Available at: https://ec.europa.eu/eurostat/databrowser/view/nrg_bal_c/default/table, accessed on October 3rd, 2022.

V Leal, R Teixeira. PoDIT: Portable device for Indoor Temperature Stabilization: Concept and Theoretical Performance Assessment. Energies 13 (22), 5982. 2020.

SMC Magalhães, VMS Leal, IM Horta. Predicting and characterizing indoor temperatures in residential buildings: Results from a monitoring campaign in Northern Portugal. Energy and Buildings 119, 293-308. 2016.