E se a solução mais sustentável para a mobilidade urbana for o teleférico?

Erza Raskova

  (1)Consultora, TRENMO Engenharia SA

Álvaro Costa

  (2)Professor Associado, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto & Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente

Dezenas de cidades integraram teleféricos urbanos nas suas redes de transporte público. As vantagens dos teleféricos incluem a implementação rápida, custos de construção relativamente baixos e danos ambientais residuais. No entanto, devido à perceção negativa do público, os teleféricos continuam um assunto sensível.

Durante décadas, os veículos utilizados na mobilidade urbana consistiram exclusivamente em elétricos, metropolitanos, autocarros, carros, bicicletas e mesmo barcos, enquanto a ideia dos teleféricos era reservada aos picos das montanhas. Contudo, estes equipamentos têm sido reformulados recentemente em diversas cidades para servir enquanto “teleféricos urbanos”. Esta é uma adição relativamente nova aos modos de transporte público, tendo o primeiro teleférico urbano sido inaugurado apenas em 2004, em Medellín; desde então, dezenas de cidades pelo mundo fora têm vindo a seguir o seu exemplo.

Em meados dos anos 80, a procura de viagens entre as cidades La Paz e El Alto foi identificada como a mais alta de toda a área metropolitana e, para a sua resolução, dada a diferença de 420 metros entre os pontos, foi sugerido um sistema de teleférico, que finalmente foi projetado em 2012 e a construção concluída em 2014. Uma vez concluído, o teleférico de La Paz reduziu o tempo de viagem em 70 minutos, conectando a cidade mais rica de La Paz com a mais pobre de El Alto (Martinez et al., 2018). Atualmente, a rede de teleféricos da cidade conta com 10 linhas e 36 estações, numa extensão total de 30,60 km, e, em 2018, estabeleceu o Guinness World Record para o maior sistema de teleférico do mundo (Martinez et al., 2018).

Os benefícios de um sistema de teleférico vão muito além de razões demográficas, trazendo outros benefícios às áreas urbanas. Os maiores impulsionadores da opção de teleféricos referem os custos de construção relativamente baixos, as mudanças mínimas na estrutura urbana e danos ambientais também eles residuais. Por norma, o projeto de metropolitano tradicional exige a aquisição de terrenos e reformulações urbanas, com recurso a obras demoradas e dispendiosas, sendo habitual a derrapagens de custos que prolongam a implementação e entrega do projeto, dada a sua complexidade.

Também em termos ambientais, os teleféricos são menos nocivos do que os sistemas tradicionais de transporte ferroviário. Enquanto a operação do metropolitano e do metro ligeiro pode ser realizada sem emissões, a fase de construção causa altas libertações de gases de efeito de estufa (GEE). A emissão média relatada de uma linha ferroviária em túnel é de 20.695 tCO2 por quilómetro de linha, enquanto as construções à superfície causam 1.400 tCO2 por quilómetro de linha (Olugbenga, Kalyviotis, & Saxe, 2019). Deve ter-se em conta que devido às dificuldades em garantir o espaço necessário em nível para ferrovias em áreas urbanas, juntamente com o desejo de uma interrupção mínima na estrutura urbana, as opções de túneis são mais comuns em comparação com as de nível. A quantidade de emissões de GEE durante a construção de um quilómetro de uma via-férrea em túnel equivale a 1 milhão de viagens de automóvel de 150 km ou, por outras palavras, a 500 mil viagens de automóvel entre Lisboa e Porto. Deve entender-se, assim, que a linha de metropolitano ou metro ligeiro passa a valer a pena em termos ambientais quando substitui o número equivalente de viagens feitas por automóveis ou outros meios a combustível. Contudo, em comparação com os sistemas ferroviários em túnel, as emissões dos teleféricos são insignificantes, entrando em saldo positivo em termos ambientais muito antes.

Além disso, a implementação dos teleféricos é relativamente rápida. Em Medellín, cada uma das três linhas, K, J e L, com extensão entre 2 km e 4,5 km, foi concluída entre 10 e 15 meses cada uma (Dávila & Daste, 2013). Em La Paz, a conclusão de três linhas de teleféricos com um total de 10 km de extensão também foi concluída em menos de três anos. Considerando ainda a limitação de 3-5 anos num cargo público, concluir com sucesso um projeto de transporte, que levaria a melhorias significativas na qualidade de vida da população, é atraente para a classe política.

Assim, considerando as preocupações com as alterações climáticas, a solução do teleférico oferece não apenas uma redução geral imediata das emissões de GEE após sua construção, mas também uma implementação rápida e que promove de forma mais expedita a transição modal.

Considerando essas vantagens, não surpreende que as cidades montanhosas não sejam as únicas a considerar o desenvolvimento de teleféricos. Em 2016, a Grande Cidade do México introduziu o Mexicable numa das suas estradas mais congestionadas, em Ecatepec, reduzindo o tempo de viagem em 17 minutos. Em 2016, Brest tornou-se a primeira cidade francesa a adotar um sistema de teleférico urbano, fornecendo uma conexão entre os dois lados do rio Penfeld e aliviando o congestionamento nas duas pontes da cidade. Na cerimónia de abertura, a ministra francesa do ambiente elogiou os teleféricos como “…a solução do futuro para reduzir a poluição do planeta” (DW, 2016).

Inicialmente lançados em países em desenvolvimento, os sistemas de teleférico urbano têm cada vez mais apoio de decisores políticos pelo mundo fora, que consideram os teleféricos como uma solução prática e eficiente para os novos desafios de mobilidade urbana. Os decisores têm o direito de proteger recursos escassos, incluindo o território, recursos não-renováveis, assim como o financiamento público. Considerando essas preocupações, os teleféricos parecem ser uma alternativa legítima e competitiva face aos modos tradicionais de transporte. Embora alguns países em desenvolvimento tenham pavimentado o caminho para a integração de teleféricos na rede de transporte público da cidade, a ideia de teleféricos em áreas urbanas ainda não é óbvia para o público em geral, especialmente nos países ditos desenvolvidos. E apesar de ainda existirem grandes desafios para a utilização comum do sistema, como por exemplo a experiência do passageiro, nomeadamente daqueles que têm medo de alturas, e também a interferência do teleférico na estrutura urbana e nos sistemas de vistas, existem atualmente desenvolvimentos conceptuais, avanços tecnológicos e mesmo melhorias no design do equipamento que podem por cobro à sensibilidade desta questão para a perceção pública.

Dadas as vantagens, é possível ultrapassar a desconfiança pública dos teleféricos por questões estéticas, em prol da sustentabilidade?



References

Dávila, J. D., & Daste, D. (2013). Pobreza, participación y Metrocable. Estudio del caso de Medellín. Boletín CF+ S, (54), 121-131.

Deutsche Welle (2016). France’s first urban cable car opens for business in Brest. Deutsche Welle, 19 November 2016. [Accessed on September 2022]. Available on: https://www.dw.com/en/frances-first-urban-cable-car-opens-for-business-in-brest/a-36452689.

Martinez, S., Sanchez, R., & Yañez-Pagans, P. (2018). Getting a lift: The impact of aerial cable cars in La Paz, Bolivia. IDB Working Paper Series, No. IDB-WP-00956.

Olugbenga, O., Kalyviotis, N., & Saxe, S. (2019). Embodied emissions in rail infrastructure: a critical literature review. Environmental Research Letters, 14(12), 123002.