Cooperação homem-máquina para uma indústria resiliente

Germano Veiga

  (1)INESC TEC

O futuro da cooperação homem máquina requer interações cognitivas mais profundas, onde homem e máquina se ajustam e auxiliam para compor um sistema de produção eficiente e resiliente.

 

 

A capacidade humana de cooperar com flexibilidade e em grande escala para obter objetivos inacessíveis é normalmente apontada como o fator mais importante no domínio humano sobre outras espécies. Como magnificamente descrito por Harari (2014), outros animais podem cooperar em grande escala, como formigas, ou com grande flexibilidade, como golfinhos ou chimpanzés nos seus círculos íntimos, mas nenhum pode fazê-lo com flexibilidade e escala como os humanos.

Foram definidos diferentes níveis de complexidade de cooperação, que evoluem de partilhar um objetivo comum para incluir a coordenação de tempo e espaço. Boesch (1985) definiu a caça em cooperação como o nível mais alto de complexidade de cooperação na caça efetuada por chimpanzés, em que os chimpanzés partilham um objetivo (a presa), sincronizam o tempo e definem uma abordagem espacial do ataque. Para alcançar este comportamento cooperativo orientado para o futuro, existe a necessidade de partilhar modelos e representações, que permitam a cada agente da cooperação antecipar estados futuros de si, dos outros agentes e do meio ambiente.

A aspiração doméstica pode ser utilizada para explicar diferentes níveis de interação e a sua correlação com a autonomia das máquinas: o aspirador convencional, que não apresenta autonomia, e é portanto uma ferramenta; ao aspirador robótico simples, que realiza limpeza autónoma mas cega, sem nenhuma intervenção do utilizador descrita como ferramenta adaptativa; ao robô aspirador avançado, que permite a coordenação da tarefa com o humano em termos de espaço e tempo através da representação partilhada da casa com o humano (mapa) e uma interface homem-máquina avançada, descrita como um assistente cooperativo (Krüger, 2017).

Na indústria, a maior parte da cooperação está hoje em dia no nível da ferramenta adaptativa. Considere-se, por exemplo, uma célula robótica industrial: um robô executa uma tarefa pré-programada de forma autónoma em paralelo com uma tarefa realizada pelo operador humano, mas não são permitidos ajustes na estratégia de cooperação e não há uma representação partilhada da tarefa em execução.

No contexto da Indústria 4.0, a robótica colaborativa é descrita como a tecnologia-chave para a interação entre humanos e máquinas. Essa suposição é uma das principais armadilhas da maioria das abordagens da indústria 4.0, conforme mostra o contraste entre o alvoroço em torno de robôs colaborativos e os números reais de vendas (menos de 5% do total de vendas de robôs em 2019, de acordo com a Federação Internacional de Robótica). Um elemento chave nesta análise é a definição de um robô colaborativo como aquele que permite uma operação segura em espaço partilhado com humanos.

Em perspetiva e considerando os níveis de cooperação definidos acima, os robôs colaborativos, per se, estão próximos de um chimpanzé que não faz mal ao outro chimpanzé, mas ainda há um longo caminho a percorrer para se chegar a uma cooperação efetiva.

A cooperação homem robô, às vezes chamada de cooperação cognitiva, exigirá não apenas robôs colaborativos (seguros), mas também desenvolvimentos significativos nos três principais pilares da interação homem-máquina: o robô, a interação e o humano. O robô deve evoluir para se tornar mais autónomo, nomeadamente através da integração mais profunda da perceção e da inteligência artificial. A interação deve evoluir da interação homem-máquina por meio de interfaces gráficas, para processos bidirecionais e intuitivos, usando, entre outros, realidade aumentada, reconhecimento de fala, que permitam que o homem e a máquina partilhem representações do mundo e das tarefas. Finalmente, o humano, cujo papel deve ser central no desenvolvimento de sistemas cooperativos, requer formação técnica relevante para desenvolver uma cooperação mais profunda com máquinas complexas, no contexto de learning factories por exemplo.

Um exemplo interessante que mostra o trabalho necessário nos pilares acima mencionados surgiu durante o desenvolvimento do projeto ScalABLE4.0, liderado pelo INESC TEC. Num dos demonstradores do projeto, a equipa começou com dois robôs colaborativos (seguros) e evoluiu para um sistema de manufatura flexível, com a introdução de sensorização avançada e inteligência artificial verticalmente integrada (pilar do robô) e interfaces homem-máquina amigáveis (pilar da interação). No final do projeto, um operador e dois robôs conseguiram lidar com a saída de quatro máquinas de injeção de plástico de forma flexível: tarefas complexas são realizadas pelo operador e o restante é realizado pelos robôs e o sistema reajusta-se rapidamente a variações de produção. Porém, a flexibilidade do sistema conta ainda com uma equipa de suporte com algum conhecimento técnico, necessária para fazer a devida alocação dos robôs e para ajustar ou reprogramar os robôs e máquinas de injeção para diferentes cenários. Durante as discussões finais com a equipa da Simoldes Plásticos (o utilizador final), surgiu um vislumbre do futuro: um operador a orquestrar o seu próprio sistema de produção cooperativa, alocando e reprogramando robôs e máquinas para maximizar a produção em cenários de alta diversidade de produção. Para cumprir esta visão, um trabalho significativo tem (também) de ser realizado no pilar humano, com a capacitação do operador com as ferramentas adequadas para alcançar um sistema de produção cooperativo e eficaz.

A resiliência na indústria sempre foi baseada na flexibilidade humana para superar os principais desafios, nomeadamente as limitações da automação industrial tradicional. Hoje em dia os desafios mudaram, com máquinas mais inteligentes e autónomas a exigirem interações mais profundas e cognitivas com seu parceiro humano.

Referências

1.HARARI, Yuval Noah (2014). Sapiens: A brief history of humankind. Random House, ISBN-10 : 9780062316097

2.Christophe Boesch and Hedwige Boesch. 1989. Hunting behavior of wild chimpanzees in the Tai National Park. American journal of physical anthropology 78, 4 (1989), 547–573.

3.Krüger, Matti & Wiebel, Christiane & Wersing, Heiko. (2017). From Tools Towards Cooperative Assistants. HAI '17: Proceedings of the 5th International Conference on Human Agent Interaction.