Servitização: uma estratégia de resiliência baseada em serviços para empresas industriais

Miguel Leichsenring Franco

  (1)Schmitt-Elevadores, Lda

Bernardo Almada-Lobo

  (2)INESC TEC

  (3)Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Rui Soucasaux Sousa

  (4)Católica Porto Business School

  (5)Universidade Católica Portuguesa

Qualquer fabricante, pequeno ou grande, pode servitizar. Embora a servitização não represente uma panaceia para os fabricantes, é um conceito com um valor potencial significativo, fornecendo novas vias para que os fabricantes possam subir na cadeia de valor, contribuindo, portanto, para a resiliência das empresas industriais.

 

 

As empresas industriais em economias desenvolvidas enfrentam uma forte concorrência de empresas baseadas em países onde os custos de mão de obra são mais baixos. As primeiras tendem a focar-se em duas estratégias: a inovação de produto e a redução de custos. Estas estratégias estão associadas ao uso de novos materiais ou tecnologias, automação e máquinas de alta precisão, bem como a programas lean. Existe, no entanto, uma forma complementar que muitas vezes é esquecida: a criação de valor associando serviços aos produtos.

Através da integração de serviços e produtos, o fabricante pode diferenciar a sua oferta, reforçando o relacionamento com o cliente e, assim, criar novas fontes de receita mais estáveis e resilientes face aos ciclos económicos. Ao incluir serviços adicionais na sua oferta global, as empresas industriais podem criar novas oportunidades de crescimento em mercados maduros. Os fabricantes podem vender contratos de serviço plurianuais que, embora gerem à partida receitas menores do que as vendas de produtos, conduzem a fluxos regulares que podem suavizar o efeito de receitas irregulares decorrentes da venda dos produtos. Além disso, as combinações de produtos-serviços também parecem ser menos sensíveis à concorrência baseada no preço, proporcionando níveis de rentabilidade mais elevados quando comparados com a venda de produtos apenas.

De uma forma simples, servitização refere-se a empresas industriais que começam a incorporar serviços nos seus produtos, criando valor adicional para o cliente. Numa estratégia competitiva baseada em serviços, o fabricante pode seguir caminhos distintos. Uma opção é oferecer um conjunto de serviços relativamente convencionais (os chamados serviços básicos), como a inclusão de um período de garantia adicional, a venda de peças sobressalentes, manutenção preventiva, reparações ou modernização de equipamentos instalados, ou mesmo a sua monitorização remota. A outra opção, alicerçada nos serviços básicos, é a venda de serviços avançados, onde a empresa fabricante assume todas as atividades integradas nos processos internos do próprio cliente, através de contratos pay-for-use de longo prazo.

Existem muitos exemplos de fabricantes que servitizaram com sucesso. A Xerox, que fabrica impressoras e fotocopiadoras, foi uma das pioneiras na adoção da servitização. Em vez de vender apenas equipamentos, passou a oferecer uma solução completa de impressão aos seus clientes empresariais. Estes clientes pagam apenas por cada cópia realizada, sem a necessidade de adquirirem o equipamento (ou seja, não têm de o deter). De acordo com este modelo de negócio, o fabricante realiza a monitorização remota da impressora e substitui o tonner sempre que necessário, sem qualquer intervenção do cliente. Em caso de mau funcionamento, a própria impressora envia um alarme para o sistema central e um técnico é enviado ao local, sem qualquer custo adicional para o cliente. Ao longo do contrato, e sem qualquer necessidade de investimento em hardware, o cliente paga uma mensalidade de acordo com as cópias realizadas (pay-per-use). O fabricante pretende fidelizar o seu cliente com um cash-flow previsível. Este forte relacionamento com o cliente também permite que o fabricante realize vendas cruzadas. Neste exemplo, o fabricante oferece uma solução de gestão de documentos, vendendo serviços avançados.

A Fricon fabrica e vende sistemas de refrigeração para produtos alimentares em supermercados e hipermercados. Se a Fricon vendesse apenas os equipamentos, ficaria dependente do ciclo de investimentos do setor de supermercados. Imagine agora que esse produtor instala um sistema de comunicação machine-to-machine (m2m) nos equipamentos que comercializa, permitindo uma monitorização remota. Sempre que a temperatura da arca congeladora exceda um certo limite, um sinal de alarme é enviado ao sistema de monitorização centralizado do fabricante. Um técnico será enviado imediatamente ao local para resolver o problema. Neste modelo de negócio, o fabricante vende um serviço adicional aos supermercados - monitorização remota e manutenção corretiva, fidelizando o cliente com um contrato de serviço de longo prazo. De um modo geral, novas e mais estáveis fontes de receita são geradas por meio de serviços avançados.

A Hilti é um fabricante líder mundial de ferramentas elétricas para as indústrias de construção, manutenção de edifícios, energia e indústria transformadora, principalmente para o utilizador final profissional. Seguindo as necessidades do mercado, a Hilti deixou de vender ferramentas elétricas e passou a alugá-las no âmbito de um novo serviço. O serviço de gestão de frota permite que os clientes usem um conjunto definido de ferramentas por um período fixo de vários anos. O valor fixo mensal pago pelo cliente cobre todos os custos com ferramentas, incluindo a sua utilização, os custos de manutenção e reparação, e minimiza os tempos de paragem. Além disso, as ferramentas da frota são regularmente substituídas por novos modelos que atendem aos mais recentes padrões de segurança. A gestão de frota não está apenas a beneficiar os seus clientes, mas também permite que a Hilti coopere ainda mais de perto com seus clientes, criando assim barreiras à entrada de concorrentes, ao mesmo tempo que fornece serviços avançados.

A Caterpillar é um fabricante de equipamentos de construção e de sistemas de energia que fornece suporte vitalício a todos os seus equipamentos (condition monitoring). A Caterpillar alterou a sua estratégia de apenas fabricar e vender equipamentos para uma estratégia de leasing. A Caterpillar obtém receitas por hora de operação do equipamento, o que inclui para o cliente todas as atividades de manutenção e reparação, garantindo também a disponibilidade do equipamento. As tecnologias de monitorização remota são utilizadas para rastrear o estado dos equipamentos e fazer previsões sobre os requisitos de serviço e suporte. Os dados em tempo real são usados para ajudar a otimizar o desempenho dos negócios do cliente, minimizando o tempo de inatividade do equipamento e os custos operacionais. Os clientes da Caterpillar solicitam atualmente parcerias de longo prazo (através de serviços avançados), passando o fabricante a assumir e a gerir o risco que anteriormente estava do lado do cliente.

Em conclusão, as empresas industriais de diferentes setores começam a perceber a importância estratégica do serviço para a obtenção de uma vantagem competitiva. As ofertas integradas de produto-serviço podem ser diferenciadoras, duradouras e mais fáceis de defender contra concorrentes com estruturas de custos mais leves, sendo uma estratégia consciente e explícita de diferenciação de mercado. Em última análise, poderá conduzir a uma vantagem competitiva mais forte. Do ponto de vista do fabricante, a servitização poderá levar a um aumento das receitas. Ao responder às solicitações dos clientes, os fabricantes podem impedir que os concorrentes conquistem espaço nos seus mercados. A servitização também pode levar a um aumento do número de clientes e a um crescimento das receitas com os clientes existentes, através de parcerias mais próximas e fortes, uma vez que um maior relacionamento com o cliente poderá gerar oportunidades para a prestação de novos serviços.

Na perspetiva do cliente, a servitização pode ajudar a reduzir os riscos e os custos de manutenção e operação, ou pelo menos torná-los mais previsíveis. Claramente, os clientes de empresas industriais servitizadas beneficiam de uma gestão aprimorada de ativos. Outra vantagem importante para os clientes é que os contratos servitizados permitem que eles se concentrem no seu negócio principal, melhorando a sua competitividade através de uma melhor qualidade de serviço prestada aos seus próprios clientes.

Qualquer fabricante, pequeno ou grande, pode servitizar. Embora a servitização não represente uma panaceia para os fabricantes, é um conceito com um valor potencial significativo, fornecendo novas vias para que os fabricantes possam subir na cadeia de valor e explorem atividades de negócio de maior valor, contribuindo, portanto, para a resiliência das empresas industriais.

Referências

1.Franco, Miguel L. (2020), “Servitization of manufacturing firms over time: An empirical investigation in the elevator industry”. PhD thesis,184 p., https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/128473/2/412036.pdf

2.Sousa, R., da Silveira, G. (2020), “Advanced services and differentiation advantage: An empirical investigation“. International Journal of Operations & Production Management, 40(9), 1561-1587.

3.3. Baines, T., Bigdeli, A., Sousa, R., Schroeder, A. (2020), “Framing the servitization transformation process: A model to understand and facilitate the servitization journey“. International Journal of Production Economics, 221, 107463.