Ponto de partida: Maturidade!

Américo Azevedo

  (1)INESC TEC

  (2)Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

No princípio era a Maturidade, e a Maturidade estava com a Indústria e a Maturidade era a Indústria!

 

 

A indústria, representando mais de 20% da economia da UE, empregando diretamente cerca de 35 milhões de pessoas e assegurando mais de 80% das exportações de mercadorias, é fundamental para o progresso e a prosperidade futuros. As pequenas e médias empresas representam mais de 99% de todas as empresas europeias – distribuição semelhante em Portugal, onde a grande maioria são empresas familiares — e são a nossa espinha dorsal económica e social.

Apesar de a indústria europeia ainda apresentar vantagem competitiva em inúmeros produtos e serviços de elevado valor acrescentado, está a ser alvo de uma importante transformação em direção a uma indústria mais ecológica e mais digital, no sentido de garantir, à escala mundial, a sustentabilidade futura da sua competitividade.

A digitalização e as tecnologias digitais que se lhe encontram associadas estão a transformar o rosto da indústria assim como a forma como se cria, entrega e captura valor. A digitalização potencia o aparecimento de novos modelos de negócio, permite que a indústria seja mais eficiente, proporciona aos trabalhadores novas competências e apoia a descarbonização da economia ao proporcionar uma fonte de soluções tecnológicas limpas e, dessa forma, contribuir ativamente para o Pacto Ecológico Europeu.

O atual ambiente competitivo geral e específico a que estão sujeitas as indústrias tradicionais e as novas indústrias, tendo por pano de fundo um período de incerteza económica mundial no horizonte, coloca desafios significativos, em particular, à indústria nacional quando esta se quer lançar no processo de evolução ecológica e digital.

A oportunidade existe: criar e entregar propostas de valor diferenciadoras e operar, com eficácia, de forma mais eficiente. Ou seja, a oportunidade de ser mais competitivo e de forma sustentável – o desiderato a que as empresas portuguesas não podem ficar alheias.

A oportunidade existe e existem também barreiras e riscos. Barreiras e riscos de origem interna e externa. O desconhecimento ou a falta de confiança em torno do potencial e do benefício, ou a sobreavaliação empírica do custo e esforço necessários, com o consequente entendimento de não valer a pena ou de “não ser para nós”, posiciona inevitavelmente a empresa num quadrante caracterizado por um comportamento essencialmente retardado e por isso reativo.

De facto, reconhecem-se barreiras, contudo, não serão intransponíveis. No entanto, parece-nos oportuno relembrar o reconhecido axioma de que transformar ou evoluir pressupõe mudar. E mudar poderá necessariamente abranger diferentes dimensões. A estruturação organizacional pode evoluir, os recursos podem ser readaptados, a forma como transformamos e geramos valor podem ser redesenhadas, as competências que queremos assegurar podem ser enriquecidas. Temos, pois, desafios significativos. A começar na cultura organizacional e no grau de preparação da organização como um todo.

Quando a indústria se confronta com o desafio da sua transformação / evolução ecológica e digital, confronta-se também com uma visão de como ela será no futuro. Os benefícios decorrentes da operacionalização desta visão variam de indústria para indústria e de empresa para empresa! Para que as empresas possam explorar todo o potencial que lhes possa ser possível desenvolver, é importante que adotem um roteiro que guie, de forma alinhada, o processo de transformação / evolução. Sendo verdade que uma grande parte das empresas encara a digitalização como uma oportunidade inexorável, também não é menos verdade que a maioria, ancorada na incerteza e num défice de compreensão, ainda não tem devidamente estruturado um plano de desenvolvimento, implementação e adoção das tecnologias digitais que, potencialmente, desempenharão um papel relevante na sua indústria.

A transformação / evolução em torno da digitalização não se reduz à adoção de tecnologias! Na verdade, as iniciativas de digitalização da indústria, pela abrangência, alcance e multidisciplinaridade envolvida e pelos desafios múltiplos de âmbito interno e externo, recomendam uma abordagem devidamente cuidada, criteriosa e estruturada. Uma consequência da falta de uma abordagem estruturada é a proliferação de iniciativas desconectadas, ou, de certa forma, da criação de um ambiente de "fragmentação digital". Por isso, as iniciativas a desenvolver precisam de ser unificadas de forma a que a organização possa realizar todo o potencial inerente à sua visão digital.

Ultrapassar com sucesso os desafios de uma “transformação digital” obriga a que se tenha uma visão global pretendida para a organização, e que se compreenda bem a “situação atual” nomeadamente quanto às várias dimensões inerentes a essa “transformação”. Ter uma visão global e compreendida por toda a organização significa considerar três pilares fundamentais, nomeadamente os relativos a: (i) modelo de negócio – como é que a empresa quer criar, entregar e capturar valor no futuro; (ii) processos internos – como é que a empresa quer desenvolver a sua atividade de trabalho e com que tecnologias e ferramentas; (iii) relação com o cliente – como quer gerir as necessidades e expectativas com o cliente ao longo do ciclo de vida do produto ou serviço que lhe entrega.

Uma abordagem estruturada à transformação é, por isso, fundamental. É, pois, relevante adotar e seguir uma metodologia que suporte toda a jornada inerente à Transformação Digital.

Por onde começar?

Para responder a esta questão, a pensar nas empresas portuguesas e capitalizando toda a sua experiência neste domínio, o INESC TEC desenvolveu uma metodologia de Transformação Digital que compreende quatro passos principais.

O primeiro passo é conhecer e compreender o ponto de partida. Referenciamos este passo como a avaliação da Maturidade da empresa no contexto da abrangência da sua Transformação Digital.

Avaliar a Maturidade significa conhecer e compreender bem o ponto de partida, nas diferentes dimensões da organização: recursos, processos, sistemas e tecnologias, organização e estratégia, cultura e pessoas, produtos e serviços. Cada dimensão é estruturada num conjunto de vetores de avaliação que tem em conta vários requisitos orientados a cada vetor de análise. Após avaliar o conjunto de vetores subjacentes a uma determinada dimensão é calculado o respetivo nível de Maturidade. A quantificação do nível global da Maturidade da organização é obtida através da média ponderada das maturidades de cada uma das dimensões consideradas.

Um segundo passo importante é a definição, comunicação e adoção de uma Visão de digitalização da empresa, alinhada com a sua estratégia global. Nesta Visão devem ser consideradas as diferentes dimensões referenciadas no passo anterior.

O passo seguinte foca-se no planeamento da implementação das ações que conduzam à evolução desejada. Assim, tendo por base a visão definida anteriormente, este passo compreende a identificação de prioridades, a definição de metas a atingir e a identificação de provas de conceito a desenvolver, a implementar e a validar. Daqui resultam diversos planos de ação que possam promover o avanço do nível de Maturidade nas várias dimensões previamente consideradas. Este conjunto de planos de ação podem ser vistos como o detalhe de um Roteiro global.

A execução é o passo seguinte. Entende-se a execução como a operacionalização do plano de transformação delineado. Calendarizam-se tarefas e resultados, são definidos indicadores chave para avaliar impacto, são identificadas estratégias e parcerias de apoio à implementação, são identificados riscos, são calculados orçamentos e são alocados recursos. O final da execução conduz-nos a um novo ponto de partida. A empresa está pronta para uma nova iteração! Pronta para uma nova avaliação da Maturidade com a aferição do nível de progressão conseguido. Com maior Maturidade, a empresa estará também, por certo, mais competitiva. É esse o seu novo ponto de partida para a obtenção de um nível de Maturidade superior.

A reconstrução da economia nos próximos anos, num contexto de elevada incerteza, recomenda um conjunto de políticas públicas que revitalizem a criação sustentável do capital social, e dessa forma se promova a produtividade, a inovação e consequentemente a competitividade nas organizações, em especial nas PME. A obrigatoriedade de um exercício recorrente de avaliação de maturidade deveria ser um dos elementos de base nos próximos programas de desenvolvimento e transformação da indústria portuguesa.