Políticas Públicas para a Indústria

Carlos Costa

  (1)Osservatorio Permanente Giovanii Editori;

  (2)Católica Porto Business School;

  (3)Banco Europeu de Investimento;

José Carlos Caldeira

  (4)INESC TEC;

  (5)MANUFUTURE;

A política de desenvolvimento económico tem de ser entendida como uma ação consistente sobre os diferentes planos que permitem ou condicionam a potenciação da trajetória económica e social de uma determinada comunidade, tendo presente o património existente de valores, de instituições, de conhecimentos e de iniciativa individual.

 

 

O desenvolvimento económico é o resultado de uma iniciativa humana de produção de bens e serviços que respondem a uma procura latente ou que resulta da própria iniciativa de produção. Aparentemente tudo se resume a uma decisão de um agente social e à mobilização dos recursos humanos, financeiros e físicos que permitem a concretização da produção. De facto, trata-se de um processo muito mais complexo, sujeito a diferentes camadas de determinação ou de causalidade cujo entendimento é decisivo para compreender a diferente distribuição da atividade económica no território de um país – as chamadas assimetrias regionais – bem como o desigual desenvolvimento económico dos países, e a sua trajetória passada e as suas potencialidades futuras. Este é um processo que não é determinístico ou fatalista – não há trajetórias predeterminadas – mas que tem uma densidade e uma inércia que necessita de ser analisada de forma a induzir processos virtuosos de crescimento económico e de melhoria do bem-estar social.

Assim, e em primeiro lugar, importa situar a iniciativa individual de produção de bens e serviços no quadro social e institucional que inculca os valores e os padrões de afirmação social que comandam a ação individual. Um sistema de valores que premeia o mérito e a iniciativa e responsabiliza cada indivíduo pela sua trajetória de afirmação social tem tendência a favorecer a iniciativa e o gosto pelo risco. Do mesmo modo, um quadro institucional que favoreça a confiança interpessoal e inter-geracional tende a facilitar fórmulas de cooperação que são inerentes ao processo produtivo e indispensáveis para uma otimização da utilização de recursos, em particular da poupança e do trabalho.

Depois, a iniciativa individual tem por base a mobilização de um património de conhecimentos gerais e específicos que a sociedade propicia, tanto através do processo de socialização de cada um dos seus membros, como através da ação do aparelho de educação e formação profissional e dos processos de difusão e aquisição de conhecimento tácito disponível nos diferentes grupos sociais e profissionais.

O que significa que a política de desenvolvimento económico tem de ser entendida como uma ação consistente sobre os diferentes planos que permitem ou condicionam a potenciação da trajetória económica e social de uma determinada comunidade, tendo presente o património existente de valores, de instituições, de conhecimentos e de iniciativa individual. Isto é, uma política de desenvolvimento pressupõe:

• um conhecimento profundo das determinantes antropológicas, sociais, institucionais e, por outro lado, uma avaliação dos níveis de educação e de conhecimentos formais e tácitos que trouxeram uma dada comunidade ao ponto onde se encontra no momento da decisão política;

• um plano de alteração desta conjugação de circunstâncias, reconhecendo que têm graus diferenciados de inércia – do mais profundo ou estrutural para o mais circunstancial – e diferentes tempos de resposta, plano esse que terá de ser realista, isto é exequível, quanto ao tempo e modo de indução das transformações pretendidas;

• e um quadro de estímulos ou incentivos consistentes entre si e capazes de induzir os comportamentos e as iniciativas individuais, dado que serão estas que vão assegurar a apropriação das transformações pela comunidade em causa.

Assim, dependendo a trajetória de desenvolvimento da interação de placas sobrepostas de fatores determinantes da dinâmica económica e social, a política social, institucional e económica tem que definir, depois de análise cuidada,

• objetivos de transformação que tenham em consideração a inércia, as resistências e os tempos de resposta de cada uma daquelas placas;

• e a oferta de bens públicos, que pela sua natureza têm que ser garantidos pela comunidade, relacionados ou necessários para a transformação pretendida.

Uma das áreas críticas da dinâmica económica e social reside:

• na natureza, na intensidade e na dinâmica do sistema nacional ou regional da inovação, isto é, a articulação entre a educação, a produção e difusão de novos conhecimentos e a formação profissional, por um lado;

• e, por outro, na capacidade de articulação do sistema produtivo com o sistema de inovação, tanto ao nível do conhecimento dos problemas que se colocam na esfera de produção de bens e serviços como de satisfação ou resposta a novas procuras de mercado ou societais, como ao nível da capacidade do sistema produtivo para absorver os bens públicos que disponibiliza o sistema de inovação.

A natureza, a qualidade e o tempo de provisão dos bens públicos que são produzidos por um sistema de inovação constitui uma das pernas do processo de inovação económica e o cerne de uma política industrial moderna. Não se trata de resistir à mudança da envolvente, de defender os incumbentes ou de eleger os vencedores. Não se trata de congelar o que existe e proteger os interesses já cristalizados. Pelo contrário, trata-se de responder ao desafio da mudança tecnológica ou de mercado com a mudança das estruturas existentes, num processo descentralizado de apropriação dos bens públicos disponibilizados. Uma resposta que tem que estar focada ou finalizada em função das estruturas produtivas desafiadas e dos fatores de educação, investigação e desenvolvimento tecnológico e de formação que, num dado momento, determinam o sucesso da resposta.

A evolução do tecido produtivo nacional, particularmente dos setores industriais nas regiões Norte e Centro, constitui uma boa ilustração da importância da provisão de bens públicos ajustados ao estágio de desenvolvimento das unidades empresariais:

• A criação, a partir dos anos 80 do século passado, de uma rede de Infraestruturas Tecnológicas, que englobava os designados Institutos de Novas Tecnologias (dos quais o INESC foi um dos beneficiários) e os Centros Tecnológicos (entidades de natureza setorial). Os últimos tiveram um papel fundamental no apoio à modernização e ao aumento da competitividade dos respetivos setores, particularmente das suas PME, em domínios que começaram por ser a qualidade ou a certificação e que atualmente se estendem à Investigação e Inovação. Complementarmente, os primeiros ajudaram a aproximar o conhecimento científico das empresas, desenvolvendo, adaptando, integrando e disseminando-o, diretamente ou em estreita articulação com os Centros Tecnológicos, através de processos de transferência e valorização de tecnologias e de pessoas altamente qualificadas. O caso mais completo e publicitado é o do setor do Calçado, no qual o Centro Tecnológico do Calçado e o INESC TEC tiveram um papel muito relevante, mas importa destacar também o trabalho desenvolvido por entidades como o INEGI, o ISQ e o IPN ou os Centros Tecnológicos da Metalomecânica (CATIM), do Têxtil e Vestuários (CITEVE) e dos Moldes (CENTIMFE).

• Em 2008, a adoção de uma política de Clusters induziu diversas iniciativas em setores considerados estratégicos para a economia nacional. Foi possível desenvolver e implementar estratégias e planos de ação abrangentes e integrados, consolidando as redes de cooperação, alinhando os diversos investimentos e trabalhando no alargamento das cadeias de valor, nomeadamente através da cooperação intersectorial. Um bom exemplo do mérito destas abordagens integradoras é o PRODUTECH – Cluster das Tecnologias de Produção, que conseguiu reunir, em torno de uma agenda de desenvolvimento comum, os diversos subsetores da fileira com vários dos principais setores da indústria transformadora.

• Esta resposta da indústria nacional potenciou uma participação maior e mais qualificada nos programas e iniciativas europeias na área de Manufacturing, sendo exemplos disso o papel relevante desempenhado por Portugal na Plataforma Tecnológica MANUFUTURE, na EFFRA – European Factories of the Future Research Association e no EIT MANUFACTURING (KIC), assim como a taxa de retorno de cerca de 4% obtida pelas entidades nacionais (incluindo empresas, muitas delas PME) no programa de financiamento europeu associado à PPP Factories of the Future, muito acima da média nacional de cerca de 1,6% (fonte ANI, 2020).

Foi esta acumulação de conhecimento, de tecnologias e de recursos humanos qualificados - resultado de políticas e de investimentos, públicos e privados, a nível nacional e europeu - conjugada com um sistema de interface diversificado, dinâmico e capaz de assegurar a cobertura do ciclo de inovação, e com um sistema de incentivos ao investimento, financeiros e fiscais, que, permitiu em 2011, a notável reação das empresas industriais tanto à contração da procura interna como aos efeitos da crise sobre os mercados e que possibilitou uma abordagem bem sucedida dos mercados globais, fazendo face a novos concorrentes. Isto é, são esses os fatores que se terá que ter presente quando se analisa:

• O aumento das exportações em termos de PIB de 30,1%, em 2010, para 43,5%, em 2019 (mais 15,4 pontos percentuais);

• A subida de Portugal no ranking europeu da inovação ao passar a integrar o grupo dos Strong Innovators.

O imperativo da articulação entre políticas públicas e estratégias empresariais nos domínios da Investigação, da Inovação e da Formação vai assumir uma importância crítica para a indústria portuguesa e europeia que, hoje, está confrontada com desafios novos e disruptivos, nomeadamente os referidos no documento “MANUFUTURE Vision 2030” (1). A resposta a este novo enquadramento será tanto mais eficaz e mais eficiente quanto:

Apesar do contributo relevante que já deu no passado e que acima ficou bem exemplificado, o INESC TEC, estribado na qualidade dos seus recursos, na sua longa experiência no setor, nos resultados já alcançados e na sua responsabilidade social, continua deveras empenhado em reforçar a sua utilidade para o país, participando cada vez mais ativamente na transformação em curso da nossa indústria, quer influenciando novas políticas públicas que suportem e acelerem essa transformação, quer contribuindo para a concretização no terreno das mesmas.

• tiver presente e tirar partido da experiência acumulada e dos êxitos já obtidos da trajetória das últimas três décadas, por um lado,

• e assentar na fixação, por parte das diferentes partes envolvidas, de objetivos e de níveis e modelos de compromisso ambiciosos, mas consistentes com uma potenciação da capacidade de concretização latente.

Referências

1. http://www.manufuture.org/wp-content/uploads/Manufuture-Vision-2030_DIGITAL.pdf