TEMA ESPECIAL – Indústria de alto valor acrescentado - Transformemos a indústria!

José Carlos Marques dos Santos

  (1)INESC TEC;

  (2)Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;

Américo Azevedo

  (1)INESC TEC;

  (2)Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;

Ana Cristina Barros

  (1)INESC TEC;

 

 

É sobejamente reconhecido que a indústria, em particular a indústria transformadora, é fundamental para a Europa por proporcionar emprego direto e indireto a várias dezenas de milhão de pessoas, por gerar, de um modo geral, elevado valor acrescentado no que produz, por ser destino de uma grande fatia do investimento em investigação, desenvolvimento e inovação e por ser origem de mais de 80% das exportações da UE (MANUFUTURE Vision 2030).

A partir de 2000, a Europa experimentou uma desindustrialização significativa, da qual resultou a diminuição da contribuição da indústria transformadora para o PIB europeu de 18,5% em 2000 para 15% em 2012, bem como a perda de 3,8 milhões de empregos entre 2008 e 2012 neste setor1.

Nos últimos anos, contudo, tem-se assistido a uma inversão do declínio da indústria transformadora da UE, com taxas de crescimento significativas no que diz respeito à participação da indústria no valor acrescentado total (mais 6% desde 2009); no emprego (mais de 1,5 milhão de novos empregos líquidos na indústria desde 2013) e na produtividade do trabalho (crescimento de 2,7% ao ano em média desde 2009)2 (estes números referem-se ao final de 2017).

É imprescindível que a recuperação da indústria transformadora na Europa possa continuar. O relatório de abril de 2018 do Independent High Level Group on Industrial Technologies, “Re – Finding Industry Defining Innovation”, afirma claramente que a economia europeia perderá a sua competitividade e não criará novos empregos sem uma base industrial forte e moderna, sustentada por novos conhecimentos e novas tecnologias e pela criação de start-ups e novas pequenas e médias empresas, a partir de uma nova abordagem da política pública de inovação. Esta deverá ser orientada à missão (as políticas públicas devem ser construídas em torno de missões que abarquem completamente as principais tecnologias facilitadoras (KET)) e abranger toda a cadeia de criação de valor, da investigação fundamental à investigação aplicada ao desenvolvimento de produtos e à criação de negócios.

O relatório acima referido aponta ainda a necessidade de a Europa dever perseguir com firmeza a liderança tecnológica na indústria, sobretudo pelos seus efeitos positivos líquidos no mercado de trabalho. Para tal, exprime o mesmo relatório, a indústria europeia está confrontada com vários desafios.

Um primeiro desafio está relacionado com a velocidade de disseminação das tecnologias já desenvolvidas e das emergentes, quer procurando aumentar o número de novas empresas a entrar no mercado e de as ajudar a crescer, quer contribuindo para aumentar a produtividade em empresas já estabelecidas que enfrentam obstáculos para implementar novas tecnologias.

O segundo desafio resulta do aumento da competição global, devendo a UE promover o desenvolvimento competitivo de cadeias de valor estratégicas que serão, provavelmente, a fonte de criação da maioria dos empregos futuros na indústria transformadora.

O terceiro desafio é consequência da atual corrida global por talento, fruto da mudança estrutural do mercado de trabalho e da natureza do trabalho (muito em resultado da transformação digital em curso), o que obriga a UE a investir fortemente em educação e aquisição de competências de alto nível pela mão-de-obra europeia, de modo a aumentar a empregabilidade e a competitividade (2019 World Manufacturing Forum Report – Skills for the Future of Manufacturing).

Para dar resposta aos desafios acima apontados, quer a EU quer os países que a integram têm vindo a definir novas políticas públicas, tendo como objetivo promover a reindustrialização, Como exemplo de política pública ao nível da UE, refira-se que o “European Union Framework Programme for Research and Innovation 2021 – 2027 (Horizon Europe)” dedica especial atenção à área da indústria, em particular através do seu Pilar II “Global Challenges and European Industrial Competitiveness”, com um cluster dedicado (Digital, Industry and Space) e outros dois clusters também relevantes (Climate, Energy and Mobility; Food, Bioeconomy, Natural Resources; Agriculture and Environment).

Para dar resposta aos desafios acima apontados, quer a EU quer os países que a integram têm vindo a definir novas políticas públicas, tendo como objetivo promover a reindustrialização, Como exemplo de política pública ao nível da UE, refira-se que o “European Union Framework Programme for Research and Innovation 2021 – 2027 (Horizon Europe)” dedica especial atenção à área da indústria, em particular através do seu Pilar II “Global Challenges and European Industrial Competitiveness”, com um cluster dedicado (Digital, Industry and Space) e outros dois clusters também relevantes (Climate, Energy and Mobility; Food, Bioeconomy, Natural Resources; Agriculture and Environment).

Em Portugal, a questão da indústria transformadora assume uma importância maior do que na generalidade da EU, dada a profunda desindustrialização a que se assistiu no país à medida que a globalização progredia, mas também por o país estar menos bem preparado para levar a cabo a recuperação, nomeadamente pela insuficiente qualificação dos recursos humanos, pelo baixo valor acrescentado da generalidade do que produz, pelo insuficiente investimento realizado, em particular no domínio da investigação e inovação, tudo com reflexos negativos no valor da produtividade.

Torna-se, pois, necessário repor o nível de industrialização do país em valores semelhantes aos, pelo menos, da média dos países da UE, apostando-se numa indústria de alto valor acrescentado, resiliente e sustentável, dando assim também resposta às políticas públicas que têm vindo a ser desenvolvidas pela UE.

Em Portugal têm vindo a ser adotadas políticas públicas que apresentam como um dos seus objetivos principais a transformação do nosso tecido industrial na direção do que se referiu anteriormente, destacando-se: Estratégia Portugal 2030; Programa de Recuperação e Resiliência; Programa de Estabilização Económica e Social; Iniciativa Indústria 4.0; Estratégia Nacional para a Digitalização da Economia; Plano de Ação para a Transição Digital.

O INESC TEC, desde a sua constituição, tem elegido a indústria transformadora como uma das áreas principais da sua atividade de investigação, desenvolvimento e inovação, realizando centenas de projetos de I&D e de transferência de tecnologia, a grande maioria com parceiros nacionais e internacionais de grande relevo, institucionais e empresariais. De vários desses projetos resultaram importantes contributos para a prossecução de políticas públicas dirigidas para o progresso da indústria. O diagrama procura ilustrar a atividade do INESC TEC na área da indústria para que contribuem vários centros de investigação da instituição em múltiplas áreas de conhecimento, de que resultou a concretização de muitos projetos, em várias áreas de aplicação, com um grande número de parceiros nacionais e internacionais, através do envolvimento de um número significativo de investigadores, que também contribuíram para a criação de algumas empresas.

Apresenta-se neste n.º da Revista Science & Society um conjunto de artigos que procura dar a conhecer as competências do INESC TEC neste domínio, procurando demonstrar como elas podem contribuir para a execução de políticas públicas já definidas ou para o desenho de novas.

A abrir, apresenta-se um artigo de opinião que defende que a articulação entre políticas públicas e estratégias empresariais nos domínios da Investigação, da Inovação e da Formação vai assumir uma importância crítica para a indústria portuguesa e europeia que, hoje, está confrontada com desafios novos e disruptivos.

A necessidade premente de a indústria portuguesa evoluir na cadeia de valor é abordada num artigo sobre o desenvolvimento e industrialização de produtos em indústrias de alto valor acrescentado. O artigo realça a importância de as empresas dominarem o desenvolvimento de produtos novos e inovadores, dando como exemplo a trajetória, reconhecidamente vencedora, da indústria portuguesa dos moldes.

Seguem-se três artigos que abordam três conceitos fundamentais para o tema especial desta revista: Maturidade da empresa (no contexto da abrangência da sua Transformação Digital); Economia Circular; Servitização.

O artigo sobre a Maturidade aborda a sua avaliação por uma empresa, isto é, como conhecer e compreender bem o seu ponto de partida, nas diferentes dimensões da organização: recursos, processos, sistemas e tecnologias, organização e estratégia, cultura e pessoas, produtos e serviços. O conceito de economia circular é explicado a partir dos seus princípios básicos e das suas implicações nos sistemas de produção e na investigação, onde deverá ser adotado como um novo paradigma. Por sua vez, a servitização é apresentada como um agrupamento de serviços e produtos, que permite a uma empresa fabricante diferenciar a sua oferta, reforçando a relação com o cliente, e criar novas fontes de receitas que sejam mais estáveis e resistentes aos ciclos económicos.

Um conjunto de tecnologias, que urge ser conhecido por quem pretenda que a sua empresa industrial possa acompanhar a autêntica revolução em curso, é apresentado nos cinco artigos seguintes. Começa-se pela caracterização da robótica colaborativa, que é descrita como a tecnologia chave para permitir a interação harmoniosa entre seres humanos e máquinas, interação esta que é considerada um dos pilares da Indústria 4.0. Segue-se uma abordagem à melhoria da qualidade da tomada de decisão através da utilização da análise de dados e da aprendizagem automática na elaboração de modelos analíticos mais apropriados. Um outro artigo aborda as tecnologias imersivas que possibilitam ao ser humano aumentar as suas capacidades de intervir no ambiente industrial de forma mais eficaz e com menor sobrecarga cognitiva, prevendo-se o surgimento de um ser humano aumentado, integrando-se de forma imersiva nos sistemas industriais, mais inteligentes e autónomos. Segue-se uma caracterização e exemplificação das plataformas IoT (Internet of Things), no contexto do desenvolvimento de soluções em torno da produção inteligente, manutenção preditiva e otimização de sistemas produtivos, entre outros. Este conjunto de artigos termina com a justificação da necessidade de se desenvolverem sistemas de produção inteligentes e consequentemente a evolução para a Empresa Inteligente, isto é, empresas que aplicam tecnologias avançadas e melhores práticas em processos de negócios ágeis e integrados, tornando-se mais resilientes, rentáveis e sustentáveis.

A permanente qualificação dos recursos humanos é um pressuposto essencial para se implementar e acompanhar a profunda transformação que se está a viver ao nível das empresas industriais. O artigo sobre Fábrica de Aprendizagem apresenta os programas e infraestruturas que o INESC TEC disponibiliza para permitir experienciar para aprender num ambiente quase real, de facto, o princípio facilitador da compreensão e ação no contexto das fábricas do futuro.

Finalmente, apresenta-se uma breve “história” da evolução da indústria em Portugal, realçando-se as principais dificuldades que conduziram a algum atraso relativamente aos principais parceiros de Portugal e terminando com uma palavra de esperança quanto à evolução futura.

Apesar do contributo relevante que já deu no passado e que acima ficou bem exemplificado, o INESC TEC, estribado na qualidade dos seus recursos, na sua longa experiência no setor, nos resultados já alcançados e na sua responsabilidade social, continua deveras empenhado em reforçar a sua utilidade para o país, participando cada vez mais ativamente na transformação em curso da nossa indústria, quer influenciando novas políticas públicas que suportem e acelerem essa transformação, quer contribuindo para a concretização no terreno das mesmas.